
Quando Kawhi era só um cara quieto no sistema do San Antonio Spurs, ele parecia uma cópia de Tim Duncan. Falando duas palavras por hora, jogando de forma incrível e com um título e um MVP de finais logo cedo na carreira, parecia que o 2 seria como o 21. Na verdade, o 2 foi como o 23.
A NBA desta década tem muitas diferenças em relação à NBA dos anos 80 e 90, para desespero dos nossos seguidores mais rodados. O jogo traz o distanciamento mais óbvio, mas o mais importante é o deslocamento do poder: os jogadores hoje deixam treinadores, general managers e donos quase de lado.
Dois exemplos claros aparecem em Anthony Davis e Paul George. O primeiro, com dois anos de contrato restando, deixou claro que gostaria de ser trocado, seu agente basicamente colocou uma arma na cabeça dos Pelicans e ele acabou sendo limitado em minutos e afastado do time até conseguir o que queria: ser trocado para os Lakers. Já o Thunder quis evitar o mesmo com George, apesar de ter mais dois anos de acordo com ele e acabou sendo forçado a repensar a vida e o que quer com Russell Westbrook.
Só que essa estratégia dos dois foi traumática e ainda os deixou sem o poder de escolher para onde ir. Por isso Kawhi é o herdeiro de LeBron.
Quando LeBron James escolheu por levar seus talentos para South Beach e deixar o Cleveland Cavaliers, ele não foi o primeiro “traidor” que abriu mão de dar um título para a franquia que o draftou. Mas, com certeza, foi o mais marcante. Até por isso ele sofreu toda a ira.
Nas duas vezes seguintes que ele mudou de time, ele ganhou o PhD nessa movimentação. Do Heat para os Cavs ele usou o argumento da volta para a casa e como ele estava comprometido com a franquia e o estado de Ohio. Desconsidere o fato que o Rei que retornava só assinou contratos de um ano e forçou o time a assinar acordos horríveis com J.R. Smith e Tristan Thompson. Não importa tanto, ele ganhou um título e sua majestade só ficou mais sólida.
Mas a segunda saída de Cleveland foi de mestre. Os rumores pairaram por um ano enquanto ele traçava seu plano e ainda assim conseguiu manter sua idolatria, ao mesmo tempo que saía da cidade mais uma vez e deixava os Cavs a verem navios. O plano não deu 100% certo porque ele falhou no convencimento de uma segunda estrela e o primeiro ano de L.A. foi completamente perdido.
Kawhi Leonard aprendeu bem. Depois de ter forçado sua saída de San Antonio, ele viu como poder faz a diferença ao deixar claro que queria Los Angeles e ser despachado para Toronto. Ele abaixou a cabeça e fez seu trabalho da mesma forma, ao mesmo tempo que não se comprometeu com a cidade onde foi parar por mais tempo do que o acordado.
Assim ele chegou na offseason de 2019 com mais um MVP de finais e anel de campeão e toda a influência possível. O Toronto Raptors até explorou trocas por Russell Westbrook e Paul George envolvendo Pascal Siakam. Mas, no final, foram os Clippers que conseguiram Paul George oferecendo um preço exorbitante. E, assim, Kawhi Leonard mexeu no destino de quatro times.
- O Toronto Raptors não é mais um candidato ao título;
- O Oklahoma City Thunder caiu pela tabela e pode passar a ser um time em reconstrução caso negocie Westbrook (deveria);
- O Los Angeles Lakers passou de Big Three absurdo para LeBron + Davis e um bando de dúvidas;
- Os Clippers passaram de time fofo e lutador para grande favorito e com um alvo na cabeça.
Aqui vou fazer um parênteses.
Não estou confortável com esses preços pagos
A negociação de Paul Pierce, Kevin Garnett e Jason Terry para o Brooklyn Nets marcou a memória de uma geração inteira, inclusive a minha. Então, eu jamais vou ficar confortável com o envolvimento de muitas escolhas de primeira rodada de uma equipe.
Sim, é verdade que o risco dos Nets era muito maior porque Pierce e Garnett já tinham claramente passado do auge. Anthony Davis ainda está no auge. Paul George teve sua melhor temporada na vida em 2018/19. Mas o problema é que as estrelas hoje são completamente instáveis e ano após ano estamos vendo alguma variação da notícia “Jogador X está descontente com franquia Y e pode pedir/pediu para ser trocado”.
Os Clippers têm tudo para só ceder escolhas no meio ou fim da primeira rodada, mas e se tudo der errado? E mesma coisa com os Lakers, que ainda têm um LeBron já com uma certa idade e Davis com várias lesões pequenas mas chatas em várias regiões do corpo. É muito risco para meu coração.
Voltando para Kawhi Leonard
Kawhi aprendeu com o LeBron de 2017 na arte do descompromisso a longo prazo com a franquia que você está atualmente e também saiu ídolo. E aprendeu com o LeBron de 2010 a movimentar o mercado e trazer uma estrela com ele para montar um contender do dia para a noite.
E o mais curioso de tudo isso: na semana passada falei como os Clippers eram um destino melhor que os Lakers pela estrutura de treinador e front office e as peças de elenco. Depois do anúncio de Kawhi Leonard no primo “pobre” da cidade, os Lakers começaram a contratar de forma desenfreada, inclusive trazendo JaVale McGee e Kentavious Caldwell-Pope de novo.
Não sabemos como DeMarcus Cousins está e por isso não vou formar opinião agora, mas tudo indica que os Clippers têm mesmo o melhor time da cidade (e do Oeste inteiro). Se os Clippers confirmarem o hype e assumirem L.A. e o Oeste, o aprendiz Kawhi vai escantear LeBron nesse seu fim de carreira e ainda fazer o camisa 23… quer dizer 6 enxergar de camarote essa revolução em Los Angeles.
Por essas e outras que esta free agency da NBA foi tão fascinante.