Entenda as principais estatísticas do beisebol e por que elas não dizem nada

André Garda | 06/07/2020 - 06:00

As estatísticas do beisebol são um prato cheio para os nerds que gostam de entender o esporte através dos números. Contudo, as transmissões na televisão e a grande maioria das análises são extremamente rasas e utilizam dados irrelevantes.

Dessa forma, o Quinto Quarto, aos poucos, irá apresentar as estatísticas do beisebol, começando pelas mais utilizadas (apesar de não te ajudarem muito) até chegar às mais avançadas.

Inclusive, clique aqui se quiser conhecer o precursor das sabermetrics, utilizadas no Moneyball do Oakland Athletics. Aproveito para destacar que os levantamentos que serão utilizados foram feitos por Keith Law no livro Smart Baseball, grande inspiração para este texto.

As principais estatísticas do beisebol

Batting Average (AVG)

Estatística que dá o batting title (melhor rebatedor) a quem tem o melhor aproveitamento, o average é uma conta simples. Basta dividir o número de rebatidas pelos at-bats, que são as aparições ao bastão menos walks, rebatidas de sacrifício e boladas.

O grande problema deste dado é que ele conta uma história pela metade. Idolatramos rebatedores que conseguem aproveitamento no bastão superior a .300 (30%). Geralmente, atletas que conseguem superar por diversos anos essa marca realmente são bons rebatedores, mas esse número por si só não diz nada.

Em primeiro lugar, porque deixa de lado diversas situações importantes, como o walk, já que chegar em base é extremamente importante e muda os cenários do jogo (veremos mais abaixo). Além disso, ter um aproveitamento de 30% em que situação? Se for, por exemplo, sempre sem corredores em base, isso não ajuda muito a equipe. Sem contar que aqui, o peso de um home run é o mesmo que o de uma rebatida simples, que pode ser dentro do infield (campo interno).

Agora iremos fazer duas comparações oferecidas por Keith Law. A primeira: a correlação (quanto mais próximo de um, mais correlacionado) da estatística com corridas anotadas por jogo entre 2011 e 2015.

Estatística Correlação
Batting Average 0,749
On-base percentage 0,833
Slugging percentage 0,903
OPS 0,936

Olhando para essas estatísticas do beisebol, a participação do desempenho ofensivo é, pelo menos, superado por três outras estatísticas razoavelmente simples na tentativa de explicar como uma corrida é anotada.

A segunda: o desempenho de dois jogadores em 2015, ano em que Dee Gordon levou o batting title e Bryce Harper, que foi muito melhor ofensivamente, levou o prêmio de MVP. Note nos números que, apenas pelo batting average, escolheríamos o jogador errado se tivéssemos que escolher o melhor. E esse dado é muito utilizado sem complementos.

OBS: o adjusted batting runs (ABR) é uma estatística avançada que mede o peso das diversas ações ofensivas.

AVG OBP SLG 2B HR BB Outs ABR
Dee Gordon 0,333* 0,359 0,418 24 4 25 447 10,9
Bryce Harper 0,33 0,46* 0,649* 38 42 124 372 78,1

*liderou a Liga Nacional

Corridas impulsionadas (RBI)

Falando das estatísticas do beisebol, não podemos deixar de falar do RBI, que indica quantos corredores anotaram corridas a partir de um at-bat de um jogador, sendo o máximo de quatro por at-bat. Por exemplo, em um home run solo, uma corrida é impulsionada, assim como uma situação de uma rebatida simples com corredor na terceira base que cruza o home plate.

Muitos acreditam que esse dado pode mostrar o quão “clutch” um jogador é. Mas é pura baboseira. A posição no lineup e, consequentemente, quem rebate à sua frente, as oportunidades de ter corridas impulsionadas e outras situações se somam aos acasos que permitem um jogador ser melhor que outros em corridas impulsionadas.

Um exemplo. Quem rebate em último (nono), rebate após o oitavo e o sétimo rebatedores, que são piores que os nomes do topo do lineup e tendem a chegar menos em base. Assim, ele tem menos oportunidades de impulsionar corridas.

Agora uma situação real para mostrar isso. Joe Carter, na temporada de 1990, defendia o San Diego Padres. Ele teve um de seus piores anos com average de .232 (23,2%) e on-base percentage de .290. Mesmo assim, ele somou 115 RBIs, sendo 24 por home runs.

Quem rebatia à sua frente? Roberto Alomar, Tony Gwynn e Jack Clark, dois Hall of Famers e três nomes com excelente aproveitamento no bastão. Veja abaixo sua posição privilegiada.

Posição lineup Jogador OBP
2 Roberto Alomar 0,34
3 Tony Gwynn 0,357
4 Jack Clark 0,441
5 Joe Carter 0,29

Outro dado rápido é a temporada de recorde de home runs de Barry Bonds. Foram 73 bolas enviadas para o outro lado do muro. Assim, dos seus 137 RBIs, apenas 64 foram avançando seus colegas. O que mostra que o número não diz muito.

Bases roubadas

Para finalizar os principais números do ataque, falaremos do save. Como Keith Law chama no seu livro, “o crime só compensa se você nunca é pego”. Roubos de base são basicamente avanços de base sem rebatidas entre arremessos. A ideia é ficar mais perto de completar a volta nas bases.

Qual o grande problema? Se você não é bem-sucedido, isso significa que você foi eliminado, deixando o adversário mais perto de encerrar a entrada, reduzindo as chances de uma corrida ser anotada e jogando no lixo todo o esforço que é chegar em base.

John Moses, por exemplo, é um dos piores jogadores que atingiram a marca de 100 bases roubadas. Apesar de ter avançado de base em 101 oportunidades, ele foi eliminado em 57. Ele só foi bem-sucedido em 64% das vezes.

Veja a comparação abaixo de Dee Gordon (2016), Jacoby Ellsbury (2013) e Jose Reyes (2007). Se não olharmos o número de eliminações, Ellsbury provavelmente seria descartado se tivéssemos que escolher um e esse dado muda tudo.

AVG OBP SLG SB CS PA
Dee Gordon 0,333 0,359 0,418 58 20 653
Jose Reyes 0,28 0,354 0,421 78 21 765
Jacoby Ellsbury 0,298 0,355 0,426 52 4 636

Ellsbury, é pego menos vezes roubando bases, rebateu melhor que Reyes em average e teve números similares em OBP e slugging. Contudo, seria descartado se só olhássemos bases roubadas ou aproveitamento no bastão.

Também iremos mostrar abaixo, com um oferecimento de Keith Law, quantas corridas se esperam ser anotadas dada a certa situação de corredores em base e eliminações. Dentro do mundo das estatísticas do beisebol, chamamos essa de Run Expectancy Matrix, um nome bem complexo para algo razoavelmente simples.

Corredores 0 outs 1 outs 2 outs
Sem 0,479 0,2572 0,0996
Terceira 1,3045 0,8916 0,3606
Segunda 1,0762 0,6487 0,3154
Primeira 0,8427 0,5004 0,2203
Segunda e terceira 1,9017 1,2831 0,5764
Primeira e terceira 1,6682 1,1348 0,4813
Primeira e segunda 1,4399 0,8919 0,4361
Bases lotadas 2,2654 1,5263 0,6971

Note que, com nenhum eliminado, um corredor que saia da primeira para a segunda base aumenta sua expectativa de corridas anotadas em 0,2335 corrida. Por outro lado, se for eliminado, sua expectativa é reduzida em 0,5855 para a expectativa de um quarto de corrida anotada.

Segundo Law, para compensar, os roubos de base da primeira para a segunda base precisam ser bem-sucedidos em 71% das vezes. Na mesma situação, para roubar a terceira base, essa taxa de sucesso sobe para 81%.

Vitórias (do arremessador)

Analisado o ataque, iremos falar sobre as principais estatísticas do beisebol na defesa. A primeira dela são as vitórias. Para isso, o arremessador titular (starter) precisa deixar o jogo com a vantagem no placar após cinco entradas. Caso contrário, a vitória irá para o reliever mais efetivo.

Esse dado é utilizado sempre e aparece após o nome dos pitchers, mas não indica nada, porque um jogador recebe o crédito por toda a equipe e, mesmo jogando mal, você pode levar a vitória. O número de destaque aqui é a marca de 20 vitórias.

Assim, vitória não significa jogar bem. Uma das piores atuações que terminaram em vitória foi de Russ Ortiz em 21 de maio de 2000, quando cedeu para os Brewers 10 corridas em 6 2/3 entradas, mas saiu com o triunfo porque os Giants anotaram 16 corridas.

Em 2018, Jacob deGrom foi o Cy Young da Liga Nacional mesmo com dez vitórias e nove derrotas. Por quê? Ele teve ERA (corridas cedidas a cada nove entradas) de apenas 1,70 em 217 entradas.

Outros exemplos de como essa estatística não significa nada. Pedro Martinez, em 1995, jogou nove entradas perfeitas (quando nenhum jogador chega em bases). No entanto, o Montreal Expos não conseguiu anotar corridas. Ele fez o máximo esforço possível, eliminou 27 adversários e só pode ser creditado com a vitória após a décima entrada, quando sua equipe finalmente anotou uma corrida.

Além dessa dependência ofensiva, não estamos contando que o pitcher pode atuar por meras cinco entradas e deixar o resto do trabalho (quase meio jogo) para os relievers e só o abridor levará o crédito. Lembrando que as eliminações também dependem da defesa caso não sejam feitas por strikeouts.

Um exemplo claro de injustiça causada pelo número de vitórias foi o prêmio de Cy Young dado a Bartolo Colon em 2004. O arremessador ficou com ERA de 5,01, mas teve desempenho de 21-8. Já Johan Santana atuou em nove entradas a mais, cedeu 16 corridas a menos e teve recorde de 16-7 e ficou em terceiro na disputa pelo prêmio.

Abaixo outra comparação entre dois pitchers do Oakland Athletics de 1990 em que Bob Welch levou o prêmio de Cy Young sendo que não era nem o melhor arremessador do seu time. Stewart cedeu seis corridas a menos com 29 entradas a mais.

W L ERA IP Runs
Bob Welch 27 6 2,95 238 90
Dave Stewart 22 11 2,56 267 84

No mesmo ano, um tal de Roger Clemens (conhece?), atuou por 228 entradas, cedeu 59 corridas, sendo 49 merecidas e teve ERA de 1,93 para um registro de 21-6. Ou seja, a cada nove entradas que Welch jogou, ele cedeu uma corrida a mais.

Então, se pensarmos que a defesa é só metade do jogo, a importância do pitcher na partida é de (em uma conta bem macarrônica) 50% se ele atuar durante as 27 eliminações, seu time estiver em vantagem e descartarmos a participação da defesa. Desses 50%, parte do crédito será dos defensores e outra, caso seja necessário, dos relievers.

Save

Estamos chegando perto do fim sobre nosso primeiro texto das estatísticas do beisebol. O arremessador que fizer o último out com uma vantagem inferior a três corridas fica com o save.

Na página 43 de Smart Baseball, Keith Law começa a narrar o jogo do Wild Card da Liga Americana de 2016 entre Baltimore Orioles e Toronto Blue Jays. Na hora saquei o que ele queria dizer. Aquela temporada foi emblemática. Enquanto Buck Showalter, com a condição de visitante e consequentemente de último time a ir ao campo de defesa, guardou Zack Britton, que teve uma das melhores temporadas de um reliever na história, Terry Francona utilizava Andrew Miller de uma maneira nada ortodoxa.

O manager dos O’s, com a partida nas entradas extras, deixou Britton – que cedeu quatro corridas em 67 entradas em 2016 e teve ERA de 0,57 (o menor na história para um reliever com pelo menos 40 entradas) – no banco esperando uma oportunidade de save. No entanto, ele nunca teve a oportunidade porque, na 11ª entrada mandou a bola para o outro lado do muro e levou o time canadense para a Division Series.

Por outro lado, Francona, que levou o Cleveland Indians à World Series e ficou a uma partida de ser campeão (abriu 3 a 1 na série), deixou Cody Allen como closer e utilizou Andrew Miller, seu melhor pitcher, a torto e a direita nas situações chave do jogo.

Agora, o ponto chave em toda essa explicação. Muitas vezes, na nona entrada, o time pode estar ganhando por muito ou o jogo pode estar perdido e seu melhor reliever fica sentado à espera da chance de um save. Ou, pior que isso, ele enfrenta os piores rebatedores e, em situações complicadas e chave na partida, fica vendo seus colegas com menos habilidade lidarem com os problemas.

Um time que utilizou muito bem da supervalorização do fechador foi o Oakland Athletics de Billy Beane, que, por anos, utilizava um nome, deixava ele ganhar status e depois o trocava por jovens talentos ou o deixava assinar com outro time por causa do salário. Abaixo, um pequeno resumo dos nomes usados pelos A’s.

Temporadas Nome Média de saves por temporada Saves no primeiro ano após deixar Athletics
1997-99 Billy Taylor 27 0
2000-01 Jason Isrunghaysen 33 32
2002 Billy Koch 44 11
2003 Keith Foulke 43 32

Desses nomes, alguns eram bons, mas não o suficiente para se pagar muito, porque o Oakland Athletics sabia que não tinha recurso e que a estatística de save não define nada, porque ela só pode ser creditada para a pessoa que realizar o último out na nova entrada (nas entradas extras o arremessador levaria a vitória) e o dado depende, e muito, das circunstâncias do jogo.

Então, muito mais importante do que ser o closer ou o set up man (quem vem uma entrada antes para limpar o caminho e ficar com o hold), é a utilização correta e inteligente dos braços nas situações mais importantes da partida.

Apesar de muitos ainda darem importância, cada vez mais estamos vendo utilizações alternativas dos relievers, como a decisão de Kevin Cash, do Tampa Bay Rays, de utilizar Sergio Romo na primeira entrada para seu starter entrar na segunda entrada após os primeiros rebatedores já terem sido eliminados.

Com isso, finalmente vemos uma das piores estatísticas do beisebol (com todo respeito a Mariano Rivera que, mesmo sendo um gênio, se favoreceu muito dela) deixando de ditar as estratégias de forma equivocada.

Escrito por André Garda
Amante de esportes em geral e ex-jogador de beisebol. Apesar de preferir o passatempo americano e torcer pelo New York Yankees, me redimo ao acompanhar o sofrido Miami Dolphins na NFL e fico sem time da NBA.
Share your love

Posts relacionados