Em 2024, o futebol nos Estados Unidos vive a expectativa dos seus melhores momentos. Na MLS, que retorna agora (dia 21), as equipes estão cada vez mais se reforçando com nomes conhecidos no futebol mundial, a exemplo do Inter Miami, que refez uma das duplas mais mortais do Campeonato Espanhol: Lionel Messi e Luiz Suárez, que atuaram juntos no Barcelona.
Além disso, os torcedores do futebol com os pés na terra do Tio Sam ainda aguardam a Copa América, que começa no dia 20 de junho e vai até o dia 15 de julho, e será disputada em solo estadunidense. Muitos novos olhares estarão atentos ao que vai acontecer na liga. O soccer vai bombar mais uma vez nos Estados Unidos.
E, para a temporada 2024, como chega o Orlando City, o clube “mais brasileiro” da MLS? O Quinto Quarto bateu um papo exclusivo com Ricardo Moreira, vice-presidente de Futebol da franquia, que falou sobre os objetivos da franquia para a temporada que se inicia, a chegada Muriel, nova estrela do time, revelou propostas para trabalhar em clubes brasileiros, além de comentar as contratações estrelares do rival Inter Miami.
Nesta entrevista exclusiva com Ricardo Moreira, do Orlando City, você também vai ler sobre:
- Quem é Ricardo Moreira, vice presidente de futebol do Orlando?;
- Propostas para comandar clubes no Brasil;
- Bastidores da contratação do atacante Muriel;
- Reação à chegada de Messi no Inter Miami;
- Próximos objetivos do Orlando na MLS.
Quinto Quarto: Pra quem ainda não te conhece, como foi sua trajetória até chegar ao cargo de Vice-Presidente de Futebol do Orlando City?
Ricardo Moreira: Como quase todo brasileiro, eu queria ser jogador de futebol. Mas aos 19, 20 anos eu percebi a falta de talento pra isso. Graças a Deus, eu tinha outras opções, diferentemente de boa parte dos outros que tentam ser jogador de futebol. Eu decidi estudar, cursei direito e virei advogado. Comecei a trabalhar com direito esportivo, com jogadores, empresários, transferências de atletas e a representar clubes, como Corinthians, Athletico Paranaense, a CBF e o Audax. No Audax, eu atuava nos temas com a Fifa e na formação de jogadores. E no ano de 2012, surgiu uma oportunidade de trabalhar na gestão do Audax. Eu já tinha feito MBA em gestão esportiva e comecei esse trabalho com eles. Era o início daquele grupo que tinha o Fernando Diniz como treinador e foi vice-campeão paulista em 2016. Um ano antes dessa final, eu havia me aproximado do Columbus Crew, da MLS. O treinador do Columbus na época, Gregg Berhalter, hoje técnico da seleção dos Estados Unidos, acompanhava muito o futebol brasileiro, adora o jogador brasileiro, e chamou a atenção dele a forma como o time do Diniz jogava. Ele veio então para visitar o clube, ver nossos jogos e nos conhecemos. E no meio de 2015, eu fui convidado pelo Columbus Crew para ser o responsável do clube para a negociação e contratação de atletas. O Gregg era o técnico e diretor, ele acumulava as duas funções, e eu cheguei para ajudá-lo nisso. Foram quatro anos nessa função, com chegada em final de Conferência, final de Liga, contratações que deram certo com um orçamento pequeno e isso me abriu as portas para o Orlando. Na época, o dono do Orlando era brasileiro (Flavio Augusto da Silva), o CEO também (Alexandre Leitão) e isso nos aproximou. E aí, em 2019, eu recebi a oferta do Orlando para fazer a mesma função que eu vinha fazendo no Columbus e aceitei. Já estou na minha sexta temporada no clube, uma estabilidade rara no futebol. Obviamente, respaldados pelos bons resultados que estamos tendo. Já são quatro anos seguidos de playoffs, com duas semifinais, duas finais de Copa, um título da Copa, várias vendas de jogadores com valores importantes para o clube, além de criarmos as categorias de base do clube, algo que não existia. Somos um dos clubes com a melhor taxa de pontos por dólar, ou seja, um dos que menos investem, mas que conseguem os melhores resultados. Foi um caminho longo, tenho que agradecer a muita gente por estar aqui onde estou. E tento fazer o mesmo pra quem está chegando. Sempre que alguém bate na minha porta querendo um conselho, bater papo, eu atendo em 99% das vezes, por que comigo foi assim.
E agora de contrato renovado, certo?
RM: Sim. Meu contrato acabava no final do ano e, pelos bons resultados que apresentamos, renovamos por mais dois anos. Chegaram muitas propostas bacanas, mas minha cabeça e meu coração optaram por ficar. Como aqui não é um clube político, o clube tem um dono, fica muito mais fácil conversar. Você se senta com o dono e faz um planejamento de resultados para todas as esferas do clube.
Você comentou que chegaram propostas. Alguma do Brasil? Seu nome foi citado em alguns clubes do Brasil recentemente. No Santos, inclusive. Te anima trabalhar no Brasil em breve?
RM: No momento não me anima tanto (voltar ao Brasil) porque eu estou no meio de um projeto aqui no Orlando City. Mas chegaram sim. Agora em janeiro foram duas do Brasil. É uma decisão profissional e pessoal também. Envolve família, filho. Eu acredito na MLS, acredito no meu clube. Eu tenho o sonho de um dia trabalhar em um grande clube do futebol brasileiro. Eu cresci vendo e torcendo pelo futebol no Brasil. Então, eu tenho essa vontade de um dia estar numa Libertadores, num Campeonato Brasileiro. E fica melhor com a chegada das SAFs, algo mais alinhado com o que penso. Mas não agora. É o momento de eu ficar um pouco mais na MLS. Se um dia eu trabalhar no Brasil estarei mais preparado. E o futebol brasileiro também estará mais pronto para essa linha de trabalho.
Falando ainda de futebol brasileiro, hoje o Orlando City tem dois jogadores brasileiros no elenco. Como vocês observam o mercado no Brasil?
RM: Hoje nós temos dois jogadores brasileiros: Felipe Martins e Rafael Santos. O elenco já está fechado. Nossa última contratação foi o Luís Muriel, colombiano que estava na Atalanta, da Itália. A gente tem muito interesse no mercado brasileiro. Temos scout no Brasil, que acompanha de perto as principais competições profissionais e de base. O problema para nós é o preço. É mais caro que o mercado argentino, uruguaio, colombiano, peruano… então temos um pouco mais de cuidado. Somos apaixonados pelo futebol brasileiro, mas há esse problema. E outra particularidade é o pouco conhecimento que o brasileiro tem da MLS e isso acaba criando um pouco de preconceito. Sempre houve mais dificuldade de acompanhar os jogos no Brasil. Pelo horário, pela falta de transmissões. O que não acontece tanto nos outros países da América do Sul. A MLS sempre foi mais exposta aos jogadores desses outros locais. Mas isso está mudando. Nos últimos dois anos houve recorde de brasileiros por aqui e a gente espera que isso aumente ainda mais.
Você citou a chegada do Muriel. Conta pra gente como é o trabalho para tirar um jogador de uma grande Liga como a italiana e trazer esse atleta de destaque para a MLS.
RM: É uma satisfação enorme. É um namoro que já acontece há um ano. Nada é por acaso. No ano passado, enviamos nosso técnico do time B para um monitoramento na Itália. E ele visitou alguns clubes, conversou com treinadores. Um desses clubes foi a Atalanta. E ele mencionou que tinha gostado muito dos treinos, citou o Papu Gomez, outros atletas e nos disse que tinha ficado sabendo que o contrato do Muriel só tinha mais 1 ano. E desde então, depois de passar por todos os nossos filtros de análises, começamos a falar com os empresários dele. E agora em janeiro, quando faltavam seis meses para acabar o contrato, nós fizemos uma proposta e deu tudo certo. A gente acha que ele é o jogador que será a cereja do bolo e vai fazer o nosso time ficar ainda mais forte para brigar pelo título. Eu coloco a chegada do Muriel ao lado da contratação do Nani (jogador português) em termos de importância. Não víamos um barulho tão grande por aqui desde o Nani.
Falando de grandes contratações. Como a chegada do Messi ao vizinho e rival Inter Miami bateu em vocês do Orlando City?
RM: A gente sempre prioriza o lado técnico ao invés do marketing. O Messi é um dos poucos casos onde ele alcança os dois. Quando Miami fez a contratação, nossa primeira preocupação foi técnica, pois teríamos que enfrentá-lo. E fizemos jogos muito competitivos, ganhamos e perdemos no ano passado. A vinda do Messi é muito boa pra liga como um todo. Chama a atenção do mercado. E tivemos um efeito disso, com as pessoas olhando para o Inter Miami e, naturalmente, observando o Orlando também. E vendo que o nosso trabalho não era baseado em uma estrela do tamanho do Messi, mas que tem consistência com começo, meio e fim. Os holofotes que vão pro Miami acabam vindo pra nós também. O que eu não gosto do movimento do Miami, mas ai é uma opinião pessoal e técnica, é de que seria ruim pra Liga se eles ganhassem títulos trazendo jogadores que já estão mais no ciclo final da carreira. São craques, são muito bons, mas corre o risco de a MLS voltar ao que era 10 anos atras. Com a percepção de que a liga é para atletas que estão perto da aposentadoria. E já não é assim há muito tempo. Somos destaque na captação de novos talentos sul-americanos e até europeus. O Orlando acabou de contratar um meia de 25 anos que é titular da seleção da Eslovênia. Vai jogar a Euro. Candidato a jogar a Copa de 2026. E ter um time campeão com jogador já em final de carreira, com jogadores entre 35 e 40 anos, talvez possa ser um problema para a imagem da liga. Faz muito tempo que a gente tenta mudar a maneira como a liga é percebida. Ainda que o Miami tenha um time forte, além desses jogadores, tem outros atletas jovens muito bons, mas eu temo que a percepção da liga possa ser afetada. Então eu espero que eles façam uma grande temporada, mas que o campeão seja o time de roxo.
Como foi a mudança de donos do Orlando City, a saída da diretoria brasileira para a chegada da poderosa família Wilf?
RM: No início houve preocupação, já que eu tinha relação muito próxima com o Alex Leitão, que era o CEO do clube, e que foi quem me contratou e me deu essa oportunidade. Aliás, o Athletico está em excelentes mãos. Então aquele período de transição foi meio tenso. Eu já tinha passado por algo parecido no Columbus. Na época, o Columbus ia se mudar para Austin. Mas apareceu um novo dono que comprou a franquia e a manteve na cidade. E no meio dessas mudanças que estavam acontecendo por lá, eu recebi a ligação do Orlando City. Então eu passei por algo parecido. E quando iniciou esse processo por aqui, claro, ficou algo no ar, uma ansiedade. Mas deu tudo certo. Eu aprendi muito com o Flavio, com o Alex, com o Diogo (Kotscho), e aprendo também com a família Wilf. São maneiras diferentes de liderar, de trabalhar, e tem sido muito produtivo. O Flavio fez um grande trabalho e colocou o clube em um ótimo patamar. E agora está acontecendo o que eu chamo de Orlando 2.0. Temos outras categorias de investimento, mais alinhadas com a cultura americana. Aprender a lidar com o esporte e o entretenimento com os americanos é uma benção e isso pesou muito para a minha permanência no clube. Eles têm investimentos em diversos setores, são donos de um time de futebol americano (Minnesota Vikings), que tem o melhor estádio e CT da NFL, então é ótimo estar aprendendo aqui com eles.
Depois de passar pelos objetivos de chegar aos playoffs pela primeira vez, depois ir a uma final, pra esse ano, o objetivo único é ganhar a MLS?
RM: Vamos brigar por títulos. Sem querer botar pressão na gente, mas já botando. No planejamento a longo prazo que fizemos, passava a ida aos playoffs. Nós fomos. Passava por criar uma categoria de base forte. Criamos. Passava por vender jogadores, participar do mercado global e contratar jovens e atletas renomados como Muriel. Fizemos. E agora é ganhar troféus. Já começamos. Ganhamos a Copa um ano e meio atrás. E agora nosso único objetivo é brigar por títulos. Ganhar ou não, depende de muitas variáveis. Mas nós temos que brigar lá em cima. Seria muito ruim se a gente não brigasse pelos títulos. O planejamento foi feito dentro de tudo o que queríamos. Estamos felizes com o que foi feito até agora. Já batemos na porta muitas vezes. Então, agora, vamos com tudo para tentar ganhar.