Alex Smith é um nome que seria esquecido, mas sua história impediu

Bruno Bataglin | 11/05/2020 - 18:36

Com a TV na ‘ESPN’ ao final de um domingo de Dia das Mães, parei para assistir o documentário intitulado ‘E:60: Alex Smith – Project 11’. É até difícil encontrar palavras para descrever o conteúdo.

Forte? Com certeza absoluta (inclusive as imagens da perna de Smith que são mostradas sem censura). Emocionante? Bem, a quantidade de vezes que suei pelos olhos em uma hora de documentário explica melhor.

A palavra que eu usaria é “inspirador”. Pode parecer clichê, mas a história de Smith pede este vocábulo mais do que nunca.

Para quem não conhece o calvário pelo qual Alex Smith passou, primeiro de tudo é preciso explicar brevemente. No dia 18 de novembro de 2018, então com a camisa do Washington Redskins, o quarterback sofreu uma fratura exposta na perna direita durante uma partida contra o Houston Texans, válida pela semana 11 daquela temporada.

Imagine uma lesão grave. Multiplique por 10. Foi isso.

O que vimos a seguir foi uma infecção severa na perna, que inclusive ameaçou a vida do QB. Um choque séptico, como se diz na medicina. E um total de 17 cirurgias e quatro internações dentro de um período de nove meses.

Tudo após um sack corriqueiro em um jogo, igual vemos tantos na National Football League. Um lance absolutamente fortuito e sem maldade.

Aliás, o documentário passou na ‘ESPN’ e deve ser reprisado nos próximos dias ou semanas. Contudo, se você não tem acesso fácil a esse doc, recomendo que leia esta belíssima matéria da ‘ESPN’ norte-americana, que foi traduzida no site da nossa ‘ESPN’ brazuca. Foi produzida pela jornalista Stephania Bell na voz de Elizabeth Smith, esposa do jogador.

Cobrindo NFL desde então para o Quinto Quarto e vendo toda a trajetória da verdadeira saga enfrentada por Smith, posso dizer que sua história não é para qualquer um.

E o nome Alex Smith tinha absolutamente tudo para ser esquecido por muitos fãs de futebol americano, talvez não muito depois que ele anunciasse sua aposentadoria.

Ele não é um Tom Brady, um Peyton Manning e nem mesmo um Joe Theismann. Curiosamente, vale lembrar, este ex-quarterback dos Redskins também sofreu uma fratura gravíssima na perna no dia 18 de novembro de 1985. EXATAMENTE o mesmo dia em que Smith, 33 anos mais tarde, sofreria a pior lesão de sua carreira.

Afinal, quem é Alex Smith?

Quem é Alex Smith?

Smith é um dos quarterbacks mais intensos que eu vi jogar na NFL, com toda certeza. Um competidor nato e aquele atleta que todo time gostaria de ter no grupo. O cara que sabe engolir o ego em prol do coletivo.

Mas vou contar um pouco da trajetória dele desde que entrou na liga.

Vindo da Universidade de Utah, Smith foi selecionado com a primeira escolha geral do Draft NFL 2005, pelo San Francisco 49ers. Ele chegou à Costa Oeste dos EUA sob muitos holofotes, assumindo o comando do ataque de uma franquia que não ia aos playoffs desde a temporada 2002 e que, nos dois anos anteriores, teve campanhas 7-9 e 2-14.

Em resumo, uma franquia vitoriosa na NFL mas que, nos anos recentes, tinha um time tenebroso.

E as coisas não começaram bem para o QB na liga. Em nove jogos disputados em sua temporada inicial na Bay Area, sendo sete como titular, ele acertou apenas 84 passes de 165 lançados (50,9% na NFL é número de um QB horroroso). O camisa 11 fez um passe para touchdown e sofreu 11 interceptações.

No ano seguinte, em 16 jogos, 16 TDs e 16 INTs. Em 2007, apenas sete jogos disputados. E, em 2008, ele perdeu toda a temporada devido a uma lesão no ombro.

Uma montanha-russa foi a trajetória de Smith nos Niners de 2005 a 2010. Neste período, Mike Nolan, Mike Singletary e Jim Tomsula (o Ratinho da NFL, que voltaria em 2015 e duraria apenas um ano no cargo) foram head coaches da organização californiana.

Nestes primeiros seis anos em San Francisco, Smith foi obrigado a trabalhar sob diferentes coordenadores ofensivos em cinco das seis temporadas. Não havia continuidade em uma franquia que havia se tornado disfuncional.

Contudo, chegou o ano de 2011…

A chegada de Jim Harbaugh e a era pós-49ers

Nos primeiros seis anos de sua carreira na liga, Alex teve como melhor campanha para se orgulhar um 8-8 em 2009. Um 50% de aproveitamento em um ano em que ele nem jogou todos os 16 jogos (somou 3-7 nos 10 que fez como titular).

O San Francisco 49ers precisava de uma reformulação profunda e ela veio com Jim Harbaugh, técnico que só havia trabalhado na NFL até então como treinador de QBs do Oakland Raiders (2002 e 2003) e que vinha, mais recentemente, de quatro anos como técnico principal na Universidade de Stanford.

A mudança para Smith foi imediata. Afinal, Harbaugh era o mentor que ele precisava. Um cara que tinha sido quarterback profissional na NFL de 1987 a 2001.

Logo na primeira temporada sob novo comando, Smith produziu o melhor ano de sua carreira até então. Em 16 jogos como titular, ele completou 61,3% de seus passes para 3.144 jardas, 17 touchdowns e cinco interceptações, ficando com um passer rating de 90.7.

Com a campanha 13-3 naquele ano, os 49ers venceram a divisão NFC West e foram à pós-temporada pela primeira vez em nove anos.

A caminhada nos playoffs foi épica, incluindo uma vitória por 36 a 32 sobre o New Orleans Saints, na rodada de divisão, que foi palco de um dos maiores lances da carreira do QB. Foi uma corrida de 28 jardas para touchdown.

Se você quiser saber mais sobre essa partida, pode conferir um capítulo da nossa série do QQ “Jogos da NFL que você precisa relembrar”.

A caminhada nos playoffs daquele ano terminou com uma derrota por 20 a 17 para o New York Giants, na final da Conferência Nacional (NFC).

Em 2012, tudo começou bem, com o QB assinando um contrato de três anos, US$ 24 milhões, para continuar nos Niners. Mas a história de Smith é marcada por muitos percalços.

Após 6-2 no início de temporada, Smith sofreu uma concussão no segundo quarto do nono jogo da temporada, contra o St. Louis Rams.

Colin Kaepernick assumiu a titularidade e lá ficou, levando os Niners até o Super Bowl XLVII, mas o time acabou sendo derrotado pelo Baltimore Ravens.

A passagem de Smith pelo time acabou em 2013, quando ele foi trocado com o Kansas City Chiefs.

Em cinco anos por lá, Smith viveu grandes momentos de sua carreira, agora como um QB mais maduro. Ele ajudou a equipe do Missouri a se classificar aos playoffs em quatro dos cinco anos que jogou lá.

Na temporada 2017, aliás, Alex teve seu melhor desempenho como profissional, completando 67,5% de seus lançamentos para 4.042 jardas, 26 touchdowns e cinco interceptações em 15 jogos.

Smith até hoje é reconhecido por Patrick Mahomes, atual QB astro dos Chiefs, como seu mentor. A temporada 2017 foi a última de Smith como titular em KC e, deixando o ego de lado, ele ensinou ao jovem todo o caminho das pedras na NFL.

Em 2018, os Chiefs trocaram Smith com o Washington Redskins.

Durante os primeiros nove jogos como titular, foram seis vitórias e três derrotas com este grande ‘game manager’ no comando. 62,5% de passes completados para 2.180 jardas, 10 TDs e cinco INTs.

Foi no décimo jogo da temporada 2018 que o pesadelo de Smith começou.

E agora?

Após 17 cirurgias, internações e o risco de morrer, Alex Smith hoje segue em seu longo processo de reabilitação. Neste último dia 7 de maio, ele completou 36 anos de idade e Elizabeth Smith fez uma linda homenagem em suas redes sociais.

Aliás, Elizabeth foi um ENORME porto seguro para Alex durante todo o processo. O documentário mostra um pouco de como a esposa do QB segurou as pontas e esteve (e está) ao lado do marido durante todo o processo.

Smith atualmente está lançando bolas ovais, não usa mais a gaiola imobilizadora que o acompanhou durante meses e, para quem viu as imagens chocantes da perna do signal caller, isso é absolutamente impressionante.

Alex não é um QB do qual muitos se lembrariam na NFL, sejamos sinceros. Foi um QB de produtividade mediana durante toda sua trajetória na liga e não venceu um título.

Por sua produtividade em campo, ele não seria lembrado como os Brady, Brees, Manning, Favre e outros são. No máximo, teria algumas menções honrosas (não muitas) aqui e acolá nos livros de história do nosso esporte favorito.

Mas a história de Smith, por mais chocante que seja, proporcionou isso a ele.

Dentro de campo, um competidor de primeira, que não se esquivava dos contatos. Um quarterback que sabia controlar um jogo e era extremamente inteligente, mas nunca um gênio. Um atleta de grupo, daqueles que você gosta de ter no seu vestiário para ser o exemplo. Para ser a imagem do jogador que você quer.

A essência do jogador profissional de futebol americano.

Mas como pudemos ver desde o dia 18 de novembro de 2018, Smith fora de campo é ainda mais do que isso. É um ser humano diferenciado, que nunca se vitimizou e encarou um duríssimo processo de reabilitação com uma outra palavra que preciso destacar neste texto de tantas palavras escritas.

“Resiliência”.

Uma frase que destaco de Smith, que apareceu no ‘E:60: Alex Smith – Project 11’ e que você pode conferir na matéria da ‘ESPN’, resume muito a tal resiliência.

“Você sabe quantas pessoas gostariam de trocar de posições comigo? Milhões de pessoas gostariam de estar onde estou agora. Você entende a vida que vivemos e as bênçãos que temos?”.

Elizabeth então fica boquiaberta e Smith completa: “E não podemos dar as coisas como garantidas, nem por um minuto. Perspectiva”.

E que perspectiva, Sr. Smith.

Mesmo que nunca volte a pisar em um campo da NFL, você já teve sua maior vitória.

Atualização – Após superar lesão, Alex Smith volta a jogar

Cinco meses depois de escrever esse texto, me emocionei vendo Alex Smith superar sua lesão e voltar aos gramados. Mais precisamente na semana 5 da temporada 2020 da NFL, na derrota por 30 a 10 do Washington Football Team para o Los Angeles Rams, o nosso QB guerreiro voltou às atividades.

Entrando em campo no lugar de Kyle Allen, titular na partida e que saiu lesionado, Alex Smith superou sua lesão. E ele foi recebido de volta à NFL em grande estilo, sofrendo seis sacks do front seven parrudo dos Rams. Mas ele não estremeceu. Seus números não foram dos melhores, com nove passes certos de 17 para apenas 37 jardas, mas isso ficou totalmente em segundo plano.

Superando sua Alex Smith lesão, o camisa 11 mostrou mais uma vez por que todos nós, fãs da bola oval, devemos reverenciá-lo.

De quebra, após deixar para trás sua Alex Smith lesão, o QB é o favorito a vencer o prêmio NFL Comeback Player of The Year em 2020 segundo as casas de apostas. O prêmio é dado ao jogador que deu a volta por cima neste último ano.

Escrito por Bruno Bataglin
Formado em jornalismo em 2013 pela Cásper Líbero, é um dos fundadores do Quinto Quarto e é editor de NFL. Apaixonado por esportes e por música, não necessariamente nesta ordem. Produtor de conteúdo e pensador nas horas vagas.