Uma nova rainha? Título e MVP de Kamilla Cardoso são maiores do que podem parecer

Antônio Henrique Pires Collar | 08/04/2024 - 12:53

A temporada mais marcante na história do basquete universitário feminino dos Estados Unidos terminou com o Brasil no topo. Com o título conquistado por South Carolina no domingo (7), vitória sobre Iowa por 87 a 75 na grande decisão, a pivô brasileira Kamilla Cardoso se despediu da universidade com o troféu de MVP do Final Four.

Kamilla foi dentro de quadra o símbolo de uma equipe que não conheceu a derrota em 2023-24. Na caminhada de 38 vitórias consecutivas até o alto do pódio, a mineira de Montes Claros recebeu os prêmios de Melhor Defensora da Conferência Sudeste (SEC), uma das mais importantes da elite norte-americana, e também da Associação de Treinadores de Basquete Feminino (WBCA, na sigla em inglês).

Kamilla e Caitlin Clark, estrelas da revolução

O campeonato feminino da NCAA deste ano não foi qualquer um. As partidas disputadas neste final de semana em Cleveland marcaram o final do ciclo para uma classe que ajudou a mudar o jogo das mulheres de patamar no nível universitário e que agora se prepara para fazer o mesmo no profissional.

Enquanto o torneio masculino tem passado quase despercebido do grande público, o talento das garotas transformou o March Madness deste ano em um dos programas favoritos dos norte-americanos. Até ontem, a semifinal entre Iowa e UConn, na sexta-feira, havia registrado a maior audiência de uma partida de basquete feminino na TV dos Estados Unidos, além da segunda maior audiência da ESPN para um evento não relacionado com futebol americano.

Foram 14.2 milhões espectadores de média, com pico superior a 17 milhões. Existe expectativa de que a decisão do título possa ter superado este recorde, mas nenhum número oficial foi divulgado até a publicação deste texto.

A principal estrela do show foi naturalmente Caitlin Clark, fenômeno de 22 anos que em fevereiro tornou-se a maior cestinha entre homens e mulheres na história da Divisão 1 da NCAA. Ainda que tenha se despedido de Iowa sem nenhum título – ficou com o vice tanto em 2023 quanto em 2024 -, terminou seus quatro anos com média de 28.4 pontos e 7.1 assistências, totalizando 3.951 pontos na carreira como atleta-estudante. Em 2024, seus números ficaram em 31.6 e 8.9. Recebeu o Naismith Award de melhor jogadora do país duas vezes consecutivas.

Se Caitlin Clark passou pelo basquete universitário sem ter conquistado um anel, a razão está na força de outros nomes que também ficarão marcados para sempre na categoria. Um deles é o de Cameron Brink, pivô de Stanford. Campeã em 2021, ela desbancou em 2024 Kamilla Cardoso para ficar com o Naismith de Melhor Defensora pela segunda vez. Ela é projetada como a segunda escolha no próximo Draft da WNBA, logo atrás de Clark. Nas fases eliminatórias, ela conseguiu 32 rebotes e 18 tocos em 71 minutos em quadra.

A temporada de 2025 ainda terá algumas das estrelas que deram brilho ao torneio deste ano. Uma delas é Paige Bueckers, armadora de Uconn, semifinalista nesta edição. Apontada como uma das prováveis escolhas iniciais no Draft, ela optou por seguir mais um ano junto ao time de Connecticut e ainda não seguirá o caminho da profissionalização. Paige entrou para história em 2021 ao ser a primeira caloura a ganhar o Naismith de melhor jogadora dos Estados Unidos, algo que ainda não se repetiu.

Por falar em caloura, outra que marcou seu nome na eternidade foi JuJu Watkins, estrela de USC – mesmo programa de Bronny James, filho mais velho de LeBron. Bem diferente da equipe masculina, que sequer chegou ao March Madness, JuJu deu mostras de que tem tudo para ser o próximo grande talento da NCAA. Com apenas 18 anos, ela quebrou o recorde de mais pontos marcados em uma temporada de estreia, com 920. A marca anterior era de Tina Hutchinson, com 898, em 1984.

A camisa 12 de Southern California teve médias de 27.1 pontos em 40.2% nos arremessos de quadra e 84.7% da linha de lance-livre. Marcou 30 ou mais pontos em 13 partidas, além de ter feito 51 em vitória sobre Stanford. Como as regras exigem que se dispute pelo menos três temporadas do universitário antes da transição para o profissional, JuJu Watkins tem ao menos mais dois anos garantidos para continuar escrevendo seu nome na história da NCAA.

Kamilla aumentará legião brasileira na WNBA

Dois títulos, um MVP de Final Four e múltiplas seleções para equipes ideais e de defesa. Com este currículo, Kamilla Cardoso caminha agora para ser uma das primeiras escolhas no Draft da WNBA. Segundo projeções da mídia especializada, a brasileira deve trocar a pequena Columbia, na Carolina do Sul, pela badalada Los Angeles.

A expectativa é de que a pivô seja selecionada pelo Los Angeles Sparks na quarta posição. O time também detém a escolha de número dois, que deve ser usada com Cameron Brink, formando um garrafão com as duas melhores defensoras da NCAA. Um dos donos dos Sparks, o ex-jogador Magic Johnson usou o Twitter para elogiar Kamilla após o título conquistado no domingo.

– Kamilla Cardoso foi dominante o torneio inteiro, e esta foi sua melhor sequência, com 15 pontos, 17 rebotes e 3 tocos na vitória de hoje – escreveu ele, até hoje considerado por muitos o maior armador de todos os tempos.

Seja em Los Angeles ou em outro lugar, o fato é que Kamilla estará na WNBA nas próximas semanas. Além dela, o Brasil já conta com dois nomes garantidos na temporada que começará em 14 de maio. Uma delas é Stephanie Soares, pivô com passagem por Iowa State (que não é o mesmo time de Caitlin Clark). Ela foi selecionada na quarta posição de 2023, pelo Washington Mystics. Trocada para o Dallas Wings, Stephanie passou seu ano de estreia em recuperação de uma lesão no joelho e ainda não entrou em quadra. Em fevereiro deste ano, assinou um contrato com os Wings e deve estrear como profissional.

Quem já representa o Brasil há bastante tempo na W é a ala Damiris Dantas, de 31 anos. Com nove temporadas no currículo, seis pelo Minnesota Lynx e três pelo Atlanta Dream, ela voltará à liga após um ano ausente. Desta vez, usará a camisa do Indiana Fever.

Kamilla, a nova rainha da seleção?

Não é só o basquete dos Estados Unidos que deve se beneficiar do talento da nossa pivô. Cria das categorias de base da seleção brasileira, Kamilla já está acostumada com o uniforme verde e amarelo. Em 2023, com apenas 21 anos, ela liderou o time do Brasil à conquista da Americup, ganhando a final justamente contra as norte-americanas. Assim como aconteceu no Final Four, Kamilla também foi eleita a MVP naquela oportunidade.

Como a equipe brasileira não conseguiu a vaga para os Jogos Olímpicos de Paris, a expectativa é de que a pivô seja a responsável por liderar o projeto em busca da vaga para Los Angeles 2028 – curiosamente, cidade onde deve morar a partir do próximo mês. Na última Olimpíada realizada nos Estados Unidos, em 1996, a geração comandada pela “Rainha” Hortência ficou com a medalha de prata – dois anos antes, ela, Magic Paula e Janeth conquistaram o título mundial.

O caminho até lá ainda é longo e não pode ficar todo nas costas de uma única atleta. Mas o torcedor brasileiro está vendo surgir dentro de quadra uma nova rainha para o esporte nacional.

Escrito por Antônio Henrique Pires Collar
Formado em jornalismo pela PUCRS e em Basketball Analytics pela Sports Management Worldwide. Com passagem de 6 anos e meio pela editoria de Esportes do jornal Zero Hora e do portal GZH, de Porto Alegre.