A derrota da Seleção Brasileira feminina de basquete para a Alemanha, que selou eliminação no pré-olímpico deste ano, ainda machuca o torcedor brasileiro. Naquele jogo, em fevereiro, o time precisava vencer por oito pontos de diferença, mas acabou sendo derrotado por 73 a 71. Para o próximo ciclo olímpico, em Los Angeles 2028, o técnico José Neto projeta um desfecho diferente.
Com mais de 20 anos de experiência como técnico de Basquete e paulista de Itapetininga, José Neto acumulou em duas décadas quase 30 títulos oficiais, incluindo duas medalhas de ouro nos Jogos Pan-Americanos, em 2019 e 2023, com a Seleção Feminina. Recentemente, deixou o cargo de treinador do Preto Luana, de Angola, depois de 4 títulos seguidos da Super Taça.
Em entrevista exclusiva ao Quinto Quarto, José Neto abriu o jogo sobre a sua saída inesperada da equipe africana, um possível retorno ao basquete brasileiro, NBA e sua relação com Kamilla Cardoso, brasileira top 3 no Draft de 2024 na WNBA.
Nesta entrevista exclusiva com José Neto, técnico da Seleção feminina de basquete, você também vai ler sobre:
- Detalhes da saída Petro Luanda, de Angola;
- Como foi a sua passagem pelo basquete africano;
- José Neto vai voltar ao Brasil?;
- Trabalhar nos EUA;
- Relação com Kamilla Cardoso;
- Futuro da Seleção brasileira feminina de basquete.
Quinto Quarto: Você saiu há pouco do comando do Petro Luanda. Além da Seleção brasileira feminina, quais são os próximos passos de José Neto?
José Neto: Foram quatro temporadas no Petro, onde a gente conseguiu praticamente atingir todos os objetivos. Nós disputamos nove torneios em Angola e ganhamos os nove. Estávamos em primeiro lugar no campeonato nacional esse ano também. Então foi muito bacana, foi uma missão cumprida. Agora é voltar o foco para a Seleção brasileira, temos torneios importantes no meio do ano. Estão aparecendo algumas oportunidades, mas quero me focar na Seleção pelo menos até julho.
QQ: Como surgiu essa possibilidade de trabalhar em Angola?
José Neto: Eu sempre trabalhei no Brasil e sempre tive o desejo de ter experiencias no exterior. Como eu estive muito tempo na Seleção masculina e com contrato com clubes do Brasil, era difícil ter essa oportunidade. Quando eu saí do Flamengo e já não estava mais na Seleção masculina, eu fui convidado para trabalhar no Japão. Aceitei e fui comandar um time da primeira divisão. Foi uma experiência muito legal. Quando eu voltei, me fizeram a proposta para a Seleção feminina. Eu aceitei e fiquei quase exclusivo para a Seleção por um período em razão das competições em sequência que nós teríamos. Em seguida veio a Covid e parou tudo. Depois da pandemia, o Petro Luanda me procurou. Ia começar uma nova competição na África, a Bal League, organizada pela NBA, e eu achei interessante. Seria um caminho para eu me aproximar da NBA. E deu certo, tanto que tive a experiência com o Brooklyn Nets na Summer League. A Bal League é uma competição muito forte, muitas equipes investem bastante nela. Quando a gente fala em África, temos que lembrar que países como Egito, Marrocos, Tunísia, países que investem muito em basquete. E foi por causa dessa liga que chegou o convite e eu aceitei.
QQ: Eu li algumas matérias na imprensa de Angola e todos ficaram muito surpresos com sua saída do Petro Luanda. Você tinha renovado o contrato recentemente. O que houve?
José Neto: Esportivamente, nós atingimos todos os objetivos. Nessa temporada, ganhamos a Super Taça. Aliás, nas quatro temporadas que estive com o clube, ganhamos as quatro. No campeonato nacional, estávamos em primeiro lugar. E só para você ter uma ideia, nos torneios de Angola, em quatro temporadas, perdemos só três jogos. Apenas três derrotas em quatro temporadas. E nenhuma delas nos custou um título. Foram nove competições dentro de Angola e nove títulos com o Petro Luanda. Na primeira fase da Bal League, tivemos sete jogadores convocados para a Seleção nacional e dois reforços estrangeiros que chegaram na véspera da nossa viagem para a África do Sul. Praticamente não treinamos para os primeiros jogos. Ainda assim, nosso objetivo era se classificar para as finais. E foi isso que aconteceu. Perdemos dois jogos nessa fase, mas nos classificamos. Mas, talvez, essas duas derrotas tenham incomodado a diretoria e houve um desconforto. Então, para que a gente não terminasse de uma maneira ruim esse relacionamento, depois de quatro anos de sucesso, achamos melhor encerrar o vínculo. Surpreendeu muita gente porque tudo estava andando como previsto. E, se eu tivesse que apostar, diria que o Petro será campeão da Bal League esse ano.
QQ: Seu próximo trabalho em clube será no Brasil, José Neto?
José Neto: Não sei, talvez não. Eu já tive alguns contatos de times do Brasil, mas eu ainda quero tentar mais alguma coisa fora. Tem algumas possibilidades aparecendo na Europa, na África, onde eu deixei ótima impressão pelos títulos com o Petro e onde fui eleito treinador do ano pela Bal League. O Petro foi a única equipe a ficar entre as quatro primeiras em todas as temporadas da Bal. Logo que saí do time, muitas equipes de lá me procuraram, mas eu resolvi esperar essa atual temporada terminar. Algumas equipes da Ásia também falaram comigo, eu já trabalhei por lá, no Japão, e houve esse interesse. Agora, é esperar e ver com calma.
QQ: Os Estados Unidos são uma possibilidade? Você teve uma experiência na comissão técnica do Brooklyn Nets na Summer League em 2021. É um objetivo atuar nesse mercado?
José Neto: Sem dúvida. É um desejo grande que eu tenho de trabalhar nos Estados Unidos. Seja em College, NBA ou WNBA. Eu recebi alguns contatos da WNBA, mas eu ainda estava no Petro Luanda. Foi um pouco antes de eu sair. Mas eu gostaria, sim. Até por que com a Seleção feminina nós tivemos bastante sucesso na América, vencendo a AmeriCup, ganhando dos Estados Unidos duas vezes. Então deixamos essa porta aberta para que algo possa acontecer. A experiência com os Nets na Summer League foi muito boa, eu gostei muito. Também há alguma possibilidade na G-League. Enfim, foram algumas sondagens, vamos ver o que vira de mais concreto.
QQ: Por falar em WNBA, nós entrevistamos aqui no Quinto Quarto a Kamilla Cardoso. E ela se mostrou muito grata a você pela oportunidade que ela teve de iniciar o caminho dela na Seleção. Como foi esse primeiro contato com a Kamilla e o que podemos esperar dela daqui pra frente?
José Neto: Eu também sou grato a Kamilla por tudo o que ela vem fazendo pela Seleção. Na primeira vez que nós a convocamos, ela estava na universidade de Syracuse. E ela sempre se esforçou muito para ir para a Seleção. Ela pediu a liberação para a treinadora, pediu autorização para a universidade. A CBB (Confederação Brasileira de Basquete) sempre ajudou, claro, mas ela sempre fez questão de vir. Então, eu agradeço muito a ela por essa vontade. Quando ela estava para ser draftada, a FIBA (Federação Internacional de Basquete) fez um vídeo com os highlights de todas as temporadas que ela jogou pela Seleção, desde 2020, na AmeriCup. Está no Youtube da FIBA. E dá para ver a evolução que ela vem conseguindo. Ela tem sido o grande destaque da Seleção nas últimas competições. E foi muito legal de ver como a equipe a abraçou. Nós, por exemplo, decidimos manter a Erika no time. Uma jogadora da posição dela, para que ela pudesse ter essa experiência. A Erika ajudou demais a Kamilla. Tanto que a Kamilla já falou sobre a Erika publicamente. O mesmo aconteceu com a Stephanie que, mesmo lesionada, foi a quarta escolha do draft. Então nos últimos dois anos, o Brasil teve duas Top 4 do draft. A gente brinca que são as nossas duas torres gêmeas. E temos também a Damiris e outras jogadoras que ajudaram demais na adaptação da Kamilla e das outras jovens na Seleção brasileira.
QQ: Falando em Seleção brasileira, infelizmente a classificação para os Jogos Olímpicos de Paris não veio. Agora é pensar no ciclo para Los Angeles em 2028. Ter essas atletas atuando nos Estados Unidos pode ajudar de que maneira?
José Neto: A gente sabia que era uma chave muito dura no pré-olímpico. Austrália e Sérvia sempre estiveram no topo do ranking do basquete feminino e sempre disputando medalha em Olimpíadas. E a Alemanha que está com uma geração incrível. Eu nunca tinha visto uma equipe europeia subir dezessete posições no ranking. É muito difícil. E a Alemanha fez isso. É um time muito forte, com as irmãs Sabally, que também estão na WNBA. Então, se a gente classificasse, seria um resultado extraordinário. Talvez a gente pudesse surpreender e conseguir a classificação para a Olimpíada. E nós chegamos muito perto. Agora, daqui pra frente, temos uma nova competição da FIBA, em agosto, o Sul-americano, a AmeriCup, que classifica para o pré-mundial e depois o mundial. O caminho para a Olimpíada no basquete feminino é muito complicado. Nós ganhamos todas as competições na América e a Seleção que ganhou todos os torneios na América não vai representar o continente em Paris. A maneira como se classifica para a Olimpíada é muito difícil. Mas eu acredito que o Brasil estará mais forte e mais preparado para esse próximo ciclo olímpico. Vamos buscar essa vaga.