Tem coisas que só mesmo a NBA pode nos proporcionar. Em uma noite comum de quarta-feira, com nove jogos, Giannis Antetokounmpo escreveu um dos mais belos capítulos da sua já consagrada carreira. Em uma partida de pouca importância dentro do calendário, sem transmissão em TV nacional nos Estados Unidos, o grego anotou 64 pontos. Quebrou seu próprio recorde pessoal e, ao mesmo tempo, o de Kareem Abdul-Jabbar. Em janeiro, ele já havia igualado os 55 de Kareem, marca que durava desde 1971 na história do Milwaukee Bucks.
Em uma liga que nos últimos anos vê recordes serem quebrados quase que mensalmente, a confusão pós-jogo acabou dando mais o que falar. Giannis queria a bola de recordação, mas o elenco do Indiana Pacers já havia providenciado a lembrança para o novato Oscar Tshiebwe, que anotou sua primeira cesta como profissional. Como as regras não escritas da NBA dizem que os dois teriam direito à bola, o que se viu a partir daí foi discussão e gritaria para todos os lados.
Mas voltemos ao que o camisa 34 fez dentro de quadra. Se defensivamente os Bucks têm sofrido, como escrevi após derrota recente para o próprio Pacers, as coisas têm dado certo no outro lado da quadra. Especialmente para Antetokounmpo, que faz alguns de seus melhores números no ataque: 32.0 pontos, 66.3% de aproveitamento dentro do garrafão 2.7 rebotes ofensivos. Milwaukee tem o segundo time que mais pontua na temporada, 123.3 pontos, e também o segundo melhor aproveitamento para 2 pontos, 58.5%.
Há alguns anos o discurso era de que ele precisava melhorar seu arremesso de 3 pontos, assunto que hoje parece superado. Desde 2015 ele não arriscava e convertia tão pouco do perímetro, e em nada isso prejudica o ataque da equipe do técnico Adrian Griffin. O elenco montado ao redor de Giannis é cheio de arremessadores e atualmente conta com seis jogadores que arriscam pelo menos três chutes da linha dos 3 por partida. O time é o oitavo que mais mata bolas assim e tem o quinto melhor aproveitamento.
A histórica noite de ontem, bem como a temporada de um modo geral, diz muito sobre reconhecer potenciais e fragilidades. Giannis não precisava se tornar um arremessador melhor, como muitos cobravam. Com um grupo farto de arremessadores, fica mais difícil para as defesas adversárias povoarem o garrafão, e os espaços para o MVP das Finais de 2021 aparecem com mais frequência. Ali, nem Nikola Jokic e Joel Embiid conseguem ser tão dominantes.
Antetokounmpo maltratou o garrafão dos Pacers
Contra os Pacers, Giannis jogou atacou o aro o tempo inteiro. Dos 28 arremessos que tentou, 24 foram próximos à cesta, e 20 foram convertidos. Aproveitamento de 83.3% em uma distância onde a média da liga fica na casa dos 65%. As outras tentativas foram uma da meia-distância e três do perímetro, toda erradas.
Para conseguir isso diante de um time que conta com Myles Turner como um dos mais prestigiados protetores de aro, a estratégia dos Bucks foi acelerar o jogo. Todos os 20 arremessos convertidos pelo grego foram ou em situações em que recebeu o passe para finalizar no primeiro toque (enterrada ou bandeja) ou foram listados pela NBA como “driving” ou “running”, situações em que ele próprio bateu a bola em direção à cesta.
Contra os Pacers, Giannis atacou o aro o tempo inteiro. Dos 24 arremessos que tentou, 16 foram próximos à cesta e 15 foram convertidos. Aproveitamento de 98.8% em uma distância onde a média da liga fica na casa dos 65%. De meia-distância, foram quatro tentativas e três acertos (75%, contra 41.2% do restante da NBA). Seus piores números foram próximos ao semi-círculo, um acerto em quatro tentativas, e da linha dos 3 pontos, zero de um.
Os Pacers, por sua vez, passaram a noite em busca de uma resposta para o craque adversário, mas se viram em situações desfavoráveis a maior parte do tempo. Ao todo, nove atletas contestaram arremessos do ala-pivô. Os principais foram Myles Turner (Giannis acertou 7 de 9) e Buddy Hield (5 de 9). Os demais foram Aaron Nesmith (3 de 5), Bruce Brown (3 de 3), Isaiah Jackson (2 de 3), Tyrese Haliburton (1 de 2), Oscar Tshiebwe (2 de 2), Bennedict Mathurin (1 de 1) e T. J. McConnell (0 de 1). Com exceção de Turner, todos são mais baixos.Tanta agressividade também resultou em 32 idas à linha de lance-livre, das quais ele conseguiu 24 pontos. A marca, embora não tenha estabelecido nenhum novo recorde na NBA, é a 3ª melhor de um jogador neste século. Apenas Anthony Davis (26, em 2019) e Dwight Howard (25, em 2013) conseguiram mais. Os outros nomes a terem conseguido mais de 24 lances convertidos em uma partida foram Adrian Dantley (3 vezes, entre 1980 e 1984), Wilt Chamberlain (em 1962, no jogo em que marcou 100 pontos) e Michael Jordan (em 1987, ainda antes de ser campeão).
Mesmo com ajustes a serem feitos na defesa e com Damian Lillard ainda tentando se adaptar ao mundo fora de Portland, o Milwaukee Bucks está novamente no páreo. A superestrela que faltava ao lado de Giannis Antetokounmpo finalmente chegou. E ele está fazendo o melhor possível para ser outra vez campeão da NBA.