Desde 2015, a Flórida tem se tornado um dos destinos favoritos dos principais times do mundo. O motivo? A Florida Cup. O local, famoso pelo turismo e pelos parques temáticos, vem se tornando um dos maiores centros esportivos do país, eleito pelo Sports Business Journal a cidade número 1 nos Estados Unidos para negócios no esporte.
Movida por esporte, Orlando tem equipes presentes nas principais ligas esportivas dos Estados Unidos. Orlando Magic, na NBA; Orlando City, na MLS; Orlando Pride, na NWSL (Liga Nacional de Futebol Feminino); e Orlando Solar Bears, equipe de hockey no gelo. Além disso, a cidade recebe os imensos complexos esportivos como o ESPN Wide World of Sports e o USTA National Campus (um dos maiores centros de tênis do país), assim como os milhões de visitantes todos os anos apenas para os eventos esportivos.
Embora não tenha uma franquia na NFL, Orlando recebe anualmente o Pro Bowl da NFL, no Citrus Bowl, maior estádio da cidade e com capacidade para mais de 60 mil pessoas. Por lá, o local também foi palco de um clássico do futebol mundial, o duelo entre Real Madrid e Juventus, válido ela FC Series de 2023.
E foi justamente para saber da evolução da Florida Cup para a FC Series que o Quinto Quaro bateu um papo exclusivo com Ricardo Villar, CEO da FC Series e membro da Florida Citrus Sports, entidade organizadora dos eventos esportivos de Orlando. Ricardo falou de como transformou a tradicional competição de pré-temporada, no início do ano, em uma das mais cobiçadas disputa amistosa para os times europeus.
Nesta entrevista exclusiva com Ricardo Villar, CEO da FC Series, você também vai ler sobre:
- Como surgiu a Florida Cup e as principais mudanças;
- A torcida brasileira e as expectativas;
- Como superar o estigma da “Copa Mickey”;
- Bastidores do evento;
- Quais brasileiros vão participar da próxima edição da FC Series;
Confira a entrevista exclusiva de Ricardo Villar no Quinto Quarto:
Quinto Quarto: Qual foi seu caminho no futebol até chegar nessa posição de CEO da FC Series?
Ricardo Villar: Meu caminho no futebol é um pouco alternativo, diferente. Eu fiz parte da minha base como atleta no São Paulo, no futsal e no campo, foram mais de 10 anos de clube, e eu acabei saindo aos 17 anos com uma oportunidade de bolsa de estudos nos Estados Unidos. Um técnico de Penn State viu alguns jogos nossos e eu acabei indo pra lá. Isso abriu minha cabeça para diferentes níveis no esporte. Ao me formar, fui draftado pela MLS.
Em uma partida contra o DC United, um scout alemão me viu jogando e me fez uma proposta para ir para a Europa. Por lá, atuei em clubes como o Salzburg (hoje Red Bull Salzburg) e Kaiserslautern. Já mais para o final da carreira eu voltei para a MLS para atuar no FC Dallas. Eu acompanhei de perto da evolução da liga naquele momento. Isso me ajudou a ver como o mercado estava se transformando, o business em torno disso e, depois que me aposentei, foi o passo natural seguir nesse caminho. Talvez eu não tenha chegado, como jogador, ao ápice que sonhava quando criança, mas foi uma carreira de muita luta e ótimas lembranças.
QQ: Como atleta você enfrentou e atuou ao lado de jogadores grandes. Alguns como Kaká e Richarlyson viraram amigos, certo?
Villar: O Kaká eu conheci na época da base do São Paulo. Ele é mais novo que eu, ficava nos assistindo jogar futsal. Muito bacana ver de onde esses caras saíram e até onde chegaram, no topo do mundo. O próprio Richarlyson, com quem joguei na Europa, foi campeão do mundo pelo São Paulo, convocado pra seleção brasileira. Poder atuar contra um Bayern de Munique e enfrentar o Philipe Lahm, o Schweinsteiger, é uma experiencia que não tem preço.
QQ: E como surgiu a ideia de fazer a Florida Cup?
Villar: Eu estava no lugar certo, na hora certa. Já no final da carreira, com o Dallas, eu vinha fazer as pré-temporadas com o time em Orlando. Eu me interessei por aquele formato, era diferente das pré-temporadas tradicionais. Normalmente os clubes buscam locais isolados para essa preparação. E ali era o contrário. Eles usavam a pré-temporada como uma experiência, junto com a cidade. E ali eu pensei em trabalhar com isso e expandir essa possibilidade para mercados internacionais. De cara, minha ideia foi conectar o Brasil, que é muito forte no turismo em Orlando, com algum outro país onde o futebol também é relevante. E, até pelos meus contatos com a Bundesliga, com calendário semelhante ao nosso, a escolha foi a Alemanha.
Foi logo depois da Copa do Mundo de 2014, o assunto Brasil x Alemanha ainda estava muito forte, e isso gerou muito interesse da mídia e dos torcedores. Assim nasceu a primeira Florida Cup, em 2015, com Colônia, Bayer Leverkusen, Corinthians e Fluminense. Eu não esperava um crescimento tão rápido. Mas, por ser uma competição internacional, em um período de férias entre o ano novo e o carnaval, gerou muito conteúdo e ganhou destaque muito rápido. Já no primeiro ano o evento foi transmitido para 170 países ao vivo. Foi um desafio. Fomos aprendendo na raça, toda parte de logística, marketing, comunicação… era uma demanda do mercado e nós conseguimos colocar isso de pé.
QQ: Como vocês lidaram quando se referiam a Florida Cup como Copa Mickey, numa maneira de menosprezar a conquista do Flamengo no torneio em 2019 depois de alguns resultados ruins do time no Brasil?
Villar: Foi um desafio na parte de comunicação, de posicionamento de marca. Uma habilidade que todos que trabalham com o futebol no Brasil devem ter é a atenção com a paixão do torcedor. A paixão do torcedor brasileiro é diferente de todos os outros lugares. Nós já trabalhamos aqui com Real Madrid, Chelsea, Arsenal, times da MLS, da América Latina, mas nada se compara ao futebol brasileiro nesse tema. O engajamento, a cobertura da mídia, tudo é maior. E aí acontece esse tipo de coisa. Do nada, estávamos numa situação que não tinha nada a ver com a gente.
Um exemplo: quando uma equipe não vai bem no restante da temporada, alguns colocam na nossa conta, dizendo que o clube não deveria ter feito a pré-temporada na Florida Cup. Mas ao mesmo tempo, muitos participantes vão bem e nós não falamos que esse sucesso teve a ver com a preparação na Florida Cup. Outros fatores contaram pra isso. Mas, certamente, não atrapalhamos. Então, assim como quando ganha não é mérito nosso, quando perde também não pode ser culpa nossa. Isso nem precisaria ser dito, mas acontece. Alguém usa isso como desculpa para erros internos, a mídia repercute e a torcida vai junto. E aí a gente, que não tem nada a ver com os reais problemas do clube, tem que trabalhar isso. Acaba sendo um desafio bacana porque nos faz ficar alerta o tempo todo.
Mas depois desses anos todos, o mercado hoje entende a proposta de nossa plataforma que, além de gerar oportunidades comerciais, tem muitos benefícios dentro de campo. O foco, primeiro, é na parte técnica. E isso acontece com os clubes europeus que estão vindo pra cá também. A participação do Flamengo esse ano foi fantástica. Agora, é seguir nesse ritmo e continuar nesse patamar no qual chegamos. Hoje, a nossa maior conquista é ter uma lista de times que pedem para participar do evento.
QQ: Como foi essa mudança de Florida Cup para FC Series, com jogos no meio do ano e participação de gigantes da Europa como Real Madrid, Juventus, Arsenal, Chelsea e, agora, o Manchester City?
Villar: Depois do sucesso da edição de 2019, com Flamengo, São Paulo, Ajax e Frankfurt, nós chamamos a atenção da Florida Citrus Sports, empresa que está há 80 anos no mercado e é um dos principais organizadores de eventos esportivos dos Estados Unidos. Eles são os administradores do maior estádio da cidade, recebem o Pro Bowl da NFL, além de muitas outras coisas. Eles ficaram impressionados com a repercussão do nosso trabalho, o impacto econômico gerado na cidade, e nos procuraram. Nos disseram que não queriam parar com o que já fazíamos com o mercado brasileiro e da América Latina no início do ano, e nos propuseram ampliar as possibilidades com jogos no meio do ano para atrair os grandes clubes da Europa. Eles sabem que Orlando não tem os mesmos atrativos de Los Angeles e Nova Iorque, por exemplo, então teríamos que juntar forças para trazer esses clubes.
Nós chegamos a um acordo dois anos depois, já com a pandemia. Com essa parceria, ganhamos um enorme apoio da cidade, já que a Florida Citrus Sport atua diretamente com o board de Orlando para impactar a cidade na área de esportes e turismo. Já em 2021 tivemos um grande desafio. Havíamos fechado com Inter de Milão e Arsenal e, por causa de casos de covid no elenco, eles desmarcaram a viagem um dia antes do embarque, quatro dias antes dos jogos. Tivemos que lidar com a situação. Convidamos um time da Colômbia e outro do México em tempo recorde, além do Everton, que esta estava na cidade. Isso mostrou nossa resiliência e nos posicionou no mercado. E, no ano seguinte, fomos pra batalha. O Edu Gaspar foi muito importante nesse próximo passo. Ele já havia estado na Florida Cup com o Corinthians e sabia como era a estrutura para receber os clubes e como a participação no evento tinha funcionado bem.
O Arsenal estava em um momento em que precisava se reerguer dentro de campo. Fizemos o convite, o Arsenal veio e foi um grande sucesso. Ganharam o último jogo por 4 a 0 contra o Chelsea, mais de 60 mil pessoas no estádio, e a sequência da temporada deles foi ótima. Como esses times da Europa são muito grandes e populares, não poderíamos fazer todos os jogos na mesma cidade. São muitos torcedores em muitos locais espalhados pelos Estados Unidos. Não faria sentido seguir com o nome Florida Cup tendo jogos em Las Vegas, Charlotte ou Nova Iorque, como faremos agora com o Manchester City. Então . Então, a FC Series acabou representando a expansão territorial da Florida Cup.
Fizemos a primeira com o Tour do Chelsea e do Arsenal e mais de 200 mil pessoas foram aos jogos. No ano passado tivemos Chelsea, Wrexham e também o Real Madrid, que jogou em Orlando com a Juventus. E nesse ano estamos com o Tour do Manchester City. Nesse Tour, o City irá jogar na Carolina do Norte, Nova Iorque, Columbus e em Orlando, na partida contra o Barcelona. Então a FC Series é a expansão da Florida Cup pelo país. Temos que agradecer também a Universal Studios, que é nosso principal parceiro, que nos ajudou nessa mudança de patamar, com experiências para fãs de todas as idades. A nossa intenção nunca foi fazer da Florida Cup uma competição e sim uma plataforma de pré-temporada. Com foco na parte técnica, nos treinamentos, um amistoso, mas também com possibilidades extracampo de experiências para nossos torcedores.
QQ: Mesmo com a FC Series trazendo clubes da Europa no meio do ano, a intenção é seguir com o evento em janeiro com times brasileiros, como foi com a Flamengo em 2024? Já há algum time confirmado para 2025?
Villar: Sim, nossa ideia é seguir. Ainda não temos nada confirmado porque dependemos do calendário no Brasil. Mas estamos conversando com Flamengo, São Paulo, além de outros times que estão nos procurando para vir. Nós devemos fazer em 2025 e 2026, até porque em 26 vai ter Copa do Mundo e não conseguiremos fazer no meio do ano. Além disso, os Estados Unidos vão receber o Mundial de Clubes em 2025 e a Florida Cup se torna uma preparação ideal para os participantes.
QQ: São vocês que estão organizando o amistoso da seleção brasileira contra o Estados Unidos no dia 12 de junho. Como foi esse trabalho com a CBF para conseguir trazer o Brasil para Orlando?
Villar: Já faz uns três anos que estamos tentando trazer o Brasil para jogar em Orlando. São mais de 100 mil brasileiros que moram na cidade, além de mais de um milhão que visitam a região todos os anos. Então, é uma conexão natural a ser feita. Sabíamos que seria quase impossível ter o Brasil aqui durante a Copa América, já que locais como Dallas, Nova Iorque e Los Angeles são mais fortes para ter as principais partidas da competição. Então, nossa saída eram os amistosos antes do torneio. Entendemos com a CBF que o ideal seria um amistoso contra uma seleção da Concacaf, visando a preparação para a Copa América. Aliás, todas as seleções da América do Sul queriam enfrentar México, Estados Unidos ou Canadá antes da competição.
Nós nos conectamos com a Soccer United Marketing, que organiza amistosos da seleção mexicana nos Estados Unidos, e juntos fizemos uma apresentação para a CBF. Algo bem parecido com o que pensamos pela FC Series, com o tour das equipes. Uma solução completa para a seleção brasileira se preparar para o evento. Com isso, conseguimos fazer esse amistoso contra os Estados Unidos em Orlando.