Ano após ano, a MLS tem se tornado cada vez mais atrativa. Cada dia que passa, grandes nomes já consagrados do futebol mundial optam por levar os seus talentos para os gramados norte americanos. Messi, Suárez, Busquets e Alba, no Inter Miami; Lorenzo Insigne, no Toronto FC; Emil Foresbeg, no New York Red Bulls; e Luís Muriel, no Orlando City, são apenas alguns exemplos de jogadores com história na Europa, principal centro de futebol, que decidiram se mudar para as bandas do norte.
Além dos medalhões, as jovens promessas estão cada vez mais optando por desembarcar nos Estados Unidos, muitas vezes abrindo mão de atuar na Europa. O principal nome deles é o de Thiago Almada, do Atlanta United. O jovem de 22 anos, campeão da Copa do Mundo com a Argentina, recusou propostas de clubes do velho continente para assinar com a franquia da MLS, em 2022. No caso dos jogadores brasileiros, a procura, e as transferências, têm aumentado cada vez mais.
Talles Magno, Gabriel Pec, Gabriel Pirani, Leo Chú e João Klauss, são alguns dos nomes dos 27 jogadores brasileiros presentes na MLS na temporada 2024. Mas, nem só de jogadores vive a MLS. A liga tem sido uma opção cada vez mais atrativa também para os dirigentes. É o caso de André Zanotta, ex-Grêmio e atual diretor técnico do FC Dallas.
Em entrevista exclusiva ao Quinto Quarto, André Zanotta contou como assumiu o cargo na franquia de Dallas, a ligação da MLS com a NFL, os motivos que o levaram a deixar o Brasil e aceitar o desafio no futebol dos Estados Unidos e como a chegada de Messi ao Inter Miami impactou a liga.
Nesta entrevista exclusiva com André Zanotta, diretor do FC Dallas, da MLS, você também vai ler sobre:
- Saída do futebol brasileiro para a MLS;
- Relação dele com a NFL e o Kansas City Chiefs;
- O que ele traz da NFL para o dia dia do futebol;
- Como observa o mercado brasileiro;
- Chegada do Messi na MLS para os outros clubes;
Quinto Quarto: Conta um pouco sua trajetória até chegar ao cargo de diretor do FC Dallas?
André Zanotta: Eu sempre fui um apaixonado por futebol. Fiz faculdade de direito, mas já direcionando para a parte desportiva. Quando me formei comecei a trabalhar com direito desportivo. Eu via a carência que existia nos clubes de futebol, ainda mais naquela época, há 20 anos, de pessoas especializadas e que entendessem do mercado do futebol, e não apenas os diretores estatutários que, muitas vezes, tem outras funções, outros empregos. Quando eu comecei a trabalhar com os clubes que eram clientes do escritório onde eu atuava, eu percebi essa brecha. Eu resolvi sair do escritório e ir estudar, me especializar nessa área. Em 2009 eu fui para a Europa, fiz o curso mais bem ranqueado da Fifa, o Fifa Master, que é um mestrado para negócios no futebol. Pelos contatos que eu fiz ali eu recebi um convite de um clube do México, o Atlante FC, que estava na primeira divisão do país. Foi uma ótima oportunidade onde conheci bem o mercado mexicano. Depois de um ano, eu voltei para o Brasil e fui para a Traffic, como coordenador de negócios no futebol. A Traffic tinha os direitos de jogadores em vários times e era dona do Desportivo Brasil e do Estoril. Um ano e pouco depois, um dos diretores da Traffic, o Felipe Faro, vai pro Santos e me convida para ir com ele. Assim foi minha entrada nos clubes do Brasil, em 2012.
O Felipe sai do Santos depois de um ano e eu fico. Eu assumo como executivo de futebol e fico no clube por 3 anos. Eu digo que eu sobrevivi a três presidentes no Santos, o que não é fácil em clube nenhum no Brasil. Comecei com Luís Álvaro, depois com o Odílio e, por fim, o Modesto Roma. Fomos campeões paulistas em 2015. Depois disso, eu sai e, na sequência, fui para o Sport Recife. Por lá fiquei um ano, com ótima campanha, classificação pra Sul-americana, Diego Souza voando. E do Sport eu fui para o Grêmio, no começo de 2017. E lá foram dois anos mágicos. Fomos campeões da Libertadores, vice-campeões mundiais, foi muito especial. Logo depois, uma pessoa com quem eu tinha trabalhado na Traffic, em 2011, estava no Dallas e me procurou no Grêmio para tentar contratar o zagueiro Bressan. Eu concluo a negociação do Bressan e essa pessoa, no Dallas, me disse que tinha recebido uma proposta do Orlando City e estava saindo clube. Ela me pergunta se eu tinha interesse na vaga e que poderia me indicar internamente.
Eu sempre quis ter essa experiencia fora do Brasil, eu já tinha morado nos Estados Unidos, com 17 anos, e disse que sim. Eu vim pra Dallas, fiz entrevista com os donos e no final de 2018 fui contratado. Já estou na minha sexta temporada. É uma satisfação. Algum mérito e competência tem que ter para estar tanto tempo no cargo em um mercado tão profissional como o americano. Os donos do Dallas são os mesmos do Kansas City Chiefs, são sócios do Chicago Bulls, são super tradicionais no país. Acabei de renovar meu contrato por mais quatro anos. Estou muito feliz aqui. São poucos brasileiros nessa função atuando no exterior, então tem sido um crescimento profissional incrível.
QQ: Antes de seguir falando da sua carreira e da MLS, me conta como é essa relação com os donos do clube. André Zanotta entra na lista de convidados do Super Bowl?
Zanotta: Eles me convidaram uma vez para o Super Bowl. Nos últimos cinco anos eles foram pra quatro Super Bowls e ganharam três. Adivinha em qual eu fui? (risos). Então depois desse que eu fui, e eles perderam para Tampa, eu não tive mais coragem de pedir. Mas eu já fui em vários jogos, eles me convidam bastante para ir ao estádio, aos treinamentos. Eu tive a oportunidade de passar dois dias dentro dos Chiefs para acompanhar de perto como eles se preparam para o Draft e pegar ideias para trazer para o Dallas. É muito bacana observar essa relação entre os clubes.
QQ: E tem alguma ideia que você trouxe dos Chiefs para o Dallas e pode contar pra gente?
Zanotta: O futebol (soccer) É um esporte global, então nós podemos contar com jogadores de várias nacionalidades. O nosso alcance é muito grande, está espalhado no mundo inteiro. Nós temos três scouts só na Europa, temos no Brasil, na América do Sul. Já o futebol americano é um esporte que, basicamente, só existe aqui. Então, a fonte deles de talento é a universidade. Eles acompanham a High School, depois o College e fazem o draft muito bem feito. Quando você escolhe um jogador como o Patrick Mahomes, muda a história da franquia. Então esse processo é muito importante. E foi fascinante ver como eles conduziram o draft para ter a escolha do Mahomes. Como foi a busca por informações, o contato com o agente do atleta, a expectativa pela escolha dos outros clubes, tudo muito bem desenhado. O draft da MLS é diferente. Dificilmente vai ter o mesmo impacto que tem na NFL ou na NBA. Na MLS são jogadores que, na maioria, vão com o grupo. Mas foi muito importante ver essa preparação dos Chiefs para o draft. Como eles dividem o país por regiões e as informações que eles vão buscando nesses locais, falando com pessoas que trabalham e atuam em cada lugar. Eu uso isso aqui no Dallas. Mapeando as regiões do país para ter informações mais precisas dos atletas. Além de toda a estratégia que eles usam para ser bem certeiro no draft.
QQ: O que te fez sair de um grande clube do Brasil, seu país, para vir para a MLS? A tão falada estabilidade para poder trabalhar pesou?
Zanotta: Sem dúvida. No Brasil você precisa dos resultados no campo para poder se manter no cargo. É a cultura do imediatismo. No Grêmio, o Renato (Gaúcho, treinador) brincava comigo dizendo que o que eu estava vivendo não existia. Que era muito tranquilo e dava pra pensar além do curto prazo. Mas só dava por causa dos títulos conquistados. Aqui nos Estados Unidos não. Aqui eu tenho a obrigação de pensar a médio e longo prazo. Eu estou aqui há cinco anos no Dallas e não fomos campeões. Mas o americano tem o entendimento que, no esporte, só um vai ganhar. E o esporte é diferente. Se você é top 10 do país em qualquer área, na medicina, educação, direito, você é muito reconhecido por isso, é comemorado. No futebol, por exemplo, se eu fico em oitavo ou nono eu não vou nem para os playoffs. É muito difícil. E os donos entendem isso. Eu entro para ser campeão igual a todos os outros, mas só um vai ser. Então eles olham mais o trabalho do que o resultado. E eles enxergam que nós estamos trabalhando para que o resultado venha mais pra frente. Fora a vida pessoal. Quando eu estava no Grêmio, nós fizemos 79 jogos no ano. O Palmeiras tem feito mais de 80 partidas por temporada. Então, não tem tempo de ter vida fora, de ficar com a família. Aqui são 40, 45 jogos por ano. A qualidade de vida é muito melhor. Tudo isso somado me fez ver que era uma boa oportunidade vir pra cá. Eu já recebi alguns convites para voltar, de grandes clubes, propostas tentadoras, mas colocando na balança, pesa pra eu ficar. Eu quero aproveitar o que eu estou construindo aqui, e o Brasil, pelo trabalho que eu fiz por onde passei, será sempre uma boa opção. Mas eu ainda tenho muito a dar ao Dallas.
QQ: Qual a dica para alguém que queira seguir seu caminho e trabalhar como executivo na MLS?
Zanotta: O melhor caminho é sempre estudar, se especializar, independentemente da área da pessoa. Aqui nos Estados Unidos tem faculdades com ótimos cursos e especializações na área de esportes. Então, se for possível, fazer um desses cursos é bem bacana. Até para aprimorar o inglês que, obviamente, é fundamental para trabalhar por aqui. Se destacar na função, como aconteceu comigo quando passei por grandes clubes no Brasil e me fez construir o currículo para chegar até aqui, é outra boa opção. Além de ter um network, que é sempre muito importante.
QQ: Hoje, o Dallas tem apenas um jogador brasileiro no elenco principal (Geovane Jesus, ex-Cruzeiro). Como o seu clube observa o mercado brasileiro?
Zanotta: O nosso diretor de scout, Leonardo Baldo, também é brasileiro e juntos nós observamos demais o mercado. Nós temos scout no Brasil. A MLS olha muito pro mercado sul-americano. O futebol argentino sempre foi o principal, mas o brasileiro está crescendo bastante. O Brasil foi o último pais na América do Sul a entender o potencial da MLS e como a liga poderia servir como mercado importante para os jogadores. É um passo para a Europa. Nós estamos sempre atentos às oportunidades. Como foi com o Pedrinho. Ele fez toda base no Flamengo, campeão sub 20 pelo clube, titular em toda campanha, mas, pela posição dele, dificilmente teria vaga no time principal. O contrato dele estava acabando, nós sabíamos disso, conversamos com o Flamengo, e fizemos um acordo para trazer o jogador. Então eu faço questão de ter ótima relação com os clubes do Brasil por que eles revelam muitos talentos e nem sempre tem espaço para aproveita-los e isso pode nos ajudar por aqui.
QQ: Para finalizar. A liga, de um modo geral, comemorou a chegada do Messi. Para um diretor de futebol de um clube concorrente, como foi ver a chegada de um astro desse nível em um adversário?
Zanotta: Essa é uma questão cultural aqui nos Estados Unidos. Todo mundo torceu para a chegada do Messi no Inter Miami. Por que isso vai ajudar a crescer a liga de modo geral. A presença do Messi aumenta muito a popularidade da MLS no pais. Nós tivemos um jogo épico contra o Inter Miami no ano passado, 4 a 4, o Messi fez um gol no finalzinho. Eu recebi mensagens de pessoas do mundo inteiro que viram esse jogo. E, além disso, ele ajuda a atrair jogadores. Muitos querem enfrentar o Messi, estar na mesma liga que o Messi. Então o objetivo é sempre melhorar o produto. O objetivo é melhorar a MLS e o futebol nos Estados Unidos.