Seguimos com nossa série de Jogos da NFL que você precisa relembrar e agora é uma verdadeira pedrada. Nós já falamos deste jogo e sua infame regra, mas não temos como fazer esta série e entendermos onde a NFL está e como chegamos aqui sem este jogo.
Como o Bruno está só nos jogos mais novos porque ele tem pavor de imagem sem ser em 4K, então sobra para mim a missão de voltar mais no tempo.
Confira o jogo completo aqui
ENTRE VÁRIOS JOGOS DA NFL, POR QUE O QQ ESCOLHEU ESSE?
Os torcedores do New England Patriots precisam de um carinho. Dá para tranquilamente falar que este jogo reverteu o curso da história da franquia, que tinha ido a dois Super Bowls, levado duas pancadas e em uma cidade/região de times enormes, era o perdedor nato. Sim, o Boston Red Sox ainda estava em uma fila de oito décadas, mas pelo menos tinha títulos para chamar de seus.
Com uma equipe nova e talentosa e Bill Parcells no comando, os Pats chegaram ao Super Bowl XXXI para levar uma pancada de Brett Favre e companhia. Para continuar dando uma úlcera na torcida, Parcells saiu logo depois da derrota e o time seguiu em frente com Pete Carroll, tendo resultados aceitáveis mas não ótimos. Após uma temporada 8-8 o futuro mascador de chiclete de Seattle foi demitido e Bill Belichick foi contratado.
Belichick era um protegido de Parcells e conhecido por ser um coordenador defensivo incrível. Só que a transição de coordenador para head coach é difícil e Belichick foi demitido dos Browns depois de cinco temporadas de altos e baixos. Seu sucesso era longe de ser uma garantia e na sua primeira temporada em Foxborough, os Pats tiveram apenas cinco vitórias.
Na temporada seguinte todo mundo sabe o que aconteceu. Drew Bledsoe se machucou no segundo jogo da temporada, o garoto chamado Tom Brady entrou e foi bem, ficando com a vaga mesmo com a recuperação de Bledsoe. A equipe teve 11 vitórias com ataque e defesas equilibrados – sexto em pontos feitos e sofridos – e quatro Pro Bowlers: Brady, o wide receiver Troy Brown, o cornerback Ty Law e o safety Lawyer Milloy.
Mas novamente: estamos falando de um time com histórico de derrotas doídas. E o Oakland Raiders, com seus anéis de Super Bowl, Rich Gannon pegando fogo – quase 4 mil jardas, 27 TDs e 9 INTs – Tim Brown (1165, 9 TDs) e Jerry Rice ainda em alto nível – 1139 jardas e 9 TDs na temporada – estavam chegando na cidade. Aliás, mal dava para ver alguém chegando na cidade porque caiu uma tempestade de neve do cacete.
COMO FOI A PARTIDA (DISPUTADA NO DIA 19 DE JANEIRO DE 2002)
Os times combinaram para 11 punts na primeira metade da partida, com apenas uma conversão em 13 tentativas de terceira descida. Rich Gannon conseguiu tirar um TD para sua equipe depois de uma interferência de passe do safety Je’Rod Cherry (excelente nome). Brady foi interceptado uma vez e o jogo terrestre não levou o time a lugar algum.
No segundo tempo as coisas esquentaram. No modo figurativo, porque no literal ainda estava bem abaixo de zero. Adam Vinatieri (MVP do jogo, sem dúvidas) acertou um field goal de 23 jardas, mas os Raiders com Sebastian Janikowski – calouro nessa temporada – acertou field goals de 38 jardas e 45 jardas para aumentar a vantagem para 13 a 3 perto do fim do terceiro quarto.
Então, para recapitular: os Raiders – com um QB de 36 anos, dois recebedores ótimos veteranos, Al Davis com seus bordões de Silvio Luis e anéis nos dedos e Jon Gruden louco para chegar no Super Bowl – tinham uma vantagem de 10 pontos em um jogo onde correr, passar a bola e correr rotas era um inferno (dá para falar inferno com neve?).
Isso contra o time que sempre falhava no momento decisivo, um QB de segundo ano e escolhido na sexta rodada e um treinador que não gosta de falar projetando a voz.
Mas Tom Brady começou a mostrar que tinha algo diferente. Ele acertou nove passes seguidos, correu para um TD (o que?) e cortou a diferença para três pontos. Logo depois Troy Brown teve um belo retorno de punt, sofreu um fumble, mas a bola foi recuperada pelos Pats, mostrando que Deus era Patriota finalmente. Logo depois mais um fumble aconteceu. Quer dizer… passe incompleto.
Vamos lá à infame jogada. Brady recebeu o snap, não viu a blitz de Charles Woodson e soltou a bola. A jogada continuou como fumble. O árbitro Walt Coleman declarou que essa chamada foi proposital, porque fumbles podem ser revistos no vídeo, enquanto um passe incompleto não. Depois da revisão, a jogada foi oficializada como um passe incompleto, seguindo uma regra de apenas dois anos, a Tuck Rule.
Ela dizia que quando um jogador ofensivo está segurando a bola para fazer um passe, qualquer movimento do seu braço para a frente configura o movimento de um passe, mesmo que o jogador logo depois comece a “guardar” (tuck em inglês) a bola. Só seria um fumble se depois de “guardada” a bola, ela mesmo assim fosse ao chão. Ou seja, estamos falando de algo que pode variar por milésimos.
Se fosse mesmo um fumble, o jogo estaria basicamente finalizado, já que faltavam apenas 1:42 para terminar o jogo, os Raiders estariam quase no meio de campo e mesmo que não conseguissem um first down, queimariam tempos e chutaria o punt para fazer os Pats começarem lá atrás.
De volta ao gramado, Brady acertou um belo passe para David Patten e Adam Vinatieri acertou um field goal de 45 jardas com vento e neve para empatar a partida com 27 segundos no relógio. Na prorrogação os Pats ganharam o cara ou coroa e a regra à época exigia apenas um field goal do time que vence o sorteio para decidir a partida. Brady acertou seus oito passes, inclusive em uma quarta descida para quatro e Vinatieri, contra o vento, decidiu a partida com um FG de 23 jardas.
DESFECHO
É difícil pensar em um jogo que tenha sido um divisor de águas maior que este. O New England Patriots tirou a nhaca, passou pelo Steelers e venceu os Rams no Super Bowl XXVI. Brady logo de cara tornou-se um protagonista da liga e Bill Belichick provou que era mais do que o coordenador defensivo que tinha Lawrence Taylor. Os dois títulos seguidos em 2003 e 2004 também ajudaram um pouco. Hoje existem torcedores dos Patriots que nem sabem a desgraça que a franquia era antes de Brady e Belichick aparecerem.
Já os Raiders trocaram Jon Gruden com o Tampa Bay Buccaneers e na temporada seguinte foram até o Super Bowl, sendo amassados justamente por Gruden e os Bucs. Aquele time caiu de um penhasco, vencendo 4, 5, 4, 2, 4, 5 e 5 partidas nos anos seguintes, com Davis falhando em picks, trocando de treinadores como quem troca de calça e os Raiders caindo no ostracismo.
A histórica franquia só voltou aos playoffs em 2016 e trouxe Gruden de volta com um contrato absurdo para reerguer a fundação. Entendeu a relação com a relocação e o novo estádio em Las Vegas?
Então, para resumir, os Patriots, que eram perdedores, iniciaram uma dinastia, os Raiders que eram vencedores, perderam de forma horrível e foram pro buraco. E a Tuck Rule se tornou assunto de bar e jornais esportivos até ser riscada do livro em 2013 por 29 votos a favor, um contra e duas abstenções. Adivinha quem se absteve depois de ordenhar todo o suco dessa belezinha? Eu vou deixar no ar.
Este texto só seria mais impressionante se falássemos que Tom Brady e Bill Belichick continuam juntos e Adam Vinatieri segue na liga. Bem…