Sim. Esse é um texto sobre a diferença salarial no esporte masculino e feminino, mais especificamente no basquete profissional americano. E antes que você pense que o esporte feminino não tem a mesma relevância ou um público tão grande quanto o masculino, te convido a continuar a leitura.
Caitlin Clark é hoje um dos nomes mais populares no esporte nos Estados Unidos. Depois de absolutamente brilhar em Iowa State, bater recorde de pontos na NCAA (entre mulheres e homens) e levar seu time à final do basquete universitário, ela foi a escolha número 1 do draft da WNBA. Com contrato com o Indiana Fever, Clark receberá de salário 76,535 dólares na primeira temporada. Victor Wembanyama, a primeira escolha do draft de 2023 da NBA, levou 12,160 milhões em seu primeiro ano – cerca de 80 vezes mais do que Clark.
Só que a NBA tem cinquenta anos a mais de existência, mais que o dobro de times, e acumula de receita 10 bilhões de dólares ao ano, enquanto a WNBA soma apenas 200 milhões. A liga feminina também recebe menos pelos contratos de mídia (65 milhões contra 2.8 bilhões).
Você dirá então que não é uma comparação justa. E está certo, não é. Então vamos ver como se saem outros atletas, em outras modalidades:
- Caitlin Simmers, surfista de 18 anos, levou 80 mil dólares de premiação em um único evento, e já soma 219 mil dólares em cinco competições neste ano (que está apenas em maio);
- Sofiane Djeffal, meia na Major League Soccer, recebeu 75.325 em 2023, e tem o 789º maior salário da liga de futebol;
- Charlotte Thomas, golfista, ganhou 78.414 dólares em 2023, por participar de 11 eventos, sendo sua melhor colocação um 23º lugar;
- Joseph Mauro, jogador de Fortnite, é o 481 do mundo em rendimentos, tendo acumulado 83.475 dólares ano passado;
- Hugo The Hornet, mascote do Charlotte, tem um salário anual de 100 mil dólares – e nem é o mascote mais bem pago ou mais popular da NBA.
A lista não tem fim.
Diferença de salários entre novatos da NBA e WNBA chega a ser de 80 vezes
A questão é que nenhum desses atletas foi capaz de atrair os holofotes para sua liga como Caitlin Clark. Ela se tornou tão popular que ajudou a disparar o preço dos ingressos das finais do Final Four feminino – que ficaram mais caros do que o do masculino pela primeira vez na história. Seu primeiro jogo como profissional atraiu a maior audiência da WNBA em 23 anos. E esse sucesso revelou que uma questão burocrática faz despencar o salário das mulheres do basquete: o atual acordo coletivo.
Kelsey Plum, estrela do Las Vegas Aces, disse em uma entrevista de 2022 que “Não estamos pedindo para receber as mesmas cifras que os homens. Queremos, sim, o mesmo percentual relativo às receitas”.
O acordo coletivo dos jogadores da NBA garante a eles 50% das receitas da temporada, de acordo com David Berri, professor de economia da Southern Utah University. Para elas, o teto é de 9.3% das receitas – e apenas se certas metas forem batidas. O professor afirma que, se o mesmo critério fosse estabelecido na WNBA, suas maiores jogadoras teriam rendimentos na casa dos 3 milhões de dólares (até hoje, nunca uma jogadora bateu a casa do milhão em salário).
E esse rendimento só aumentaria: a última temporada da WNBA teve a maior audiência dos últimos 21 anos, com a média de público das arenas sendo a maior em 13 anos. A realidade é que os baixos salários da WNBA têm mais a ver com o poder (ou não) de negociação das atletas, da falta de investimentos e de escolhas da gestão que não colaboram com o crescimento da liga.
Como explicar que o primeiro jogo de Caitlin Clark com a camisa do Indiana Fever, na pré temporada, foi contra o Dallas Wings, às 7 da noite no College Park Central, em Arlington, na mesma noite que o Dallas Mavericks recebia o LA Clippers, no American Airlines Center, às 20h30, pelo jogo 6 dos playoffs da NBA? Cerca de 40 quilômetros separam os dois ginásios, impossibilitando que o fã de basquete visse os dois jogos dos times da casa. Por que não uma rodada dupla na mesma Arena?
Cathy Engelbert, comissária da WNBA, vêm argumentando que os contratos não são tão baixos. Ela afirma que não devemos olhar apenas para o salário base, que Clark pode receber até meio milhão de dólares em 2024, com bônus por desempenho, acordos de marketing e prêmios individuais. Mesmo que Clark realmente atinja todas as metas, essa não é a realidade das suas companheiras, e uma mudança de paradigmas beneficiaria a todas.
Por conta dos salários baixos, são muitas as jogadoras da WNBA que se aventuram em outros campeonatos pelo mundo na inter-temporada. O caso de Brittney Griner, campeã olímpica e mundial e estrela do Phoenix Mercury que ficou detida da Russia por dez meses quando voltava ao país para defender o UMMC Ekaterinburg, expôs bem o problema.
Presidente dos Estados Unidos sai em defesa do equilibro de salários entre homens e mulheres no esporte
O caso chamou tanta atenção que até o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se manifestou.
Women in sports continue to push new boundaries and inspire us all.
But right now we’re seeing that even if you’re the best, women are not paid their fair share.
It’s time that we give our daughters the same opportunities as our sons and ensure women are paid what they deserve.
— President Biden (@POTUS) April 16, 2024
A posição atual da WNBA é frequentemente comparada à quando Magic Johnson e Larry Bird chegaram a NBA, trazendo uma popularidade nunca antes vista, que durou décadas. Quando Bird foi draftado em 1978, ele assinou um contrato de cinco anos com valor médio anual de 650 mil dólares (valor não corrigido). Magic Johnson recebia 460 mil dólares de média nas duas primeira cinco temporadas.
76,535 dólares é o salário de Caitlin Clark na WNBA. 76,770 dólares é o salário médio norte-americano.
Que Clark encontre uma rival à altura, e que novos e empolgantes matchups da WNBA estejam em nosso futuro.