A MLS cresce a cada ano que passa e cada vez mais chama a atenção dos profissionais do futebol. Jogadores e até mesmo dirigentes brasileiros optam por trabalhar nos Estados Unidos após iniciar a carreira em território nacional. Mas, em meio a tantos motivos para ir aos Estados Unidos, há aqueles que decidem ir na “contramão” e fazer o caminho contrário.
É o caso do diretor-executivo de futebol do Fortaleza, Bruno Costa, que fez carreira na MLS, no San Jose Earthquakes, antes de voltar ao país onde nasceu. Antes da experiência na terra do Tio Sam, o brasileiro de 43 anos ainda passou pelas categorias de base do Fluminense e Figueirense. Em dezembro do ano passado, assinou um contrato de 3 anos com o Fortaleza e volta para o Brasil após 7 anos nos Estados Unidos.
Em entrevista exclusiva para o Quinto Quarto, Bruno Costa conta como foi a trajetória até chegar a um dos times mais badalados do Brasil, por quais motivos decidiu deixar a MLS e aceitar a proposta do Fortaleza e as diferenças entre o futebol do Brasil e Estados Unidos.
Nesta entrevista exclusiva com Bruno Costa, ex-diretor do San Jose, da MLS, você também vai ler sobre:
- Quem é Bruno Costa, diretor-executivo de futebol do Fortaleza;
- Cobrança por resultados no Brasil assusta?;
- Momento do Fortaleza e MLS;
- Possibilidade de ser dono de um time;
- Diferença do Brasil para MLS.
Quinto Quarto: Para começar, por favor, conte para nossa audiência quem é Bruno Costa.
Bruno Costa: Eu sou de Porto Velho, Rondônia. Em 1995, quando eu tinha 15 anos, uma tia minha se mudou para os Estados Unidos, para Kissimmee, perto de Orlando, na Florida, e me convidou, junto com meus pais, para ficar um tempo com ela. Nós fomos e o que era para durar seis meses virou uma experiência de cinco anos. Eu joguei futebol na High School e depois ganhei uma bolsa para jogar por uma faculdade em Miami. Depois, retornei ao Brasil e vi que a gestão esportiva era algo que eu gostaria de seguir. Entendi que jogar futebol era um caminho muito longo e complicado.
Assim, em 2001, fui para o Rio de Janeiro para fazer um curso de gestão e entrei na CBF para um estágio. Logo em seguida, comecei a trabalhar com o Branco (lateral brasileiro da Seleção de 1994), que na época era o diretor das seleções brasileiras de master. O Branco virou o meu mentor, me ensinou bastante. Pouco tempo depois, ele assumiu como diretor-geral das divisões de base do Brasil e me levou para ser o supervisor do departamento. Pesou o fato de eu falar inglês fluente e também o espanhol. Fiquei nesse cargo na seleção por quase seis anos.
O Fortaleza já tinha essa observação com a MLS e agora mais ainda.
Na sequência, o Branco foi chamado para ser executivo de futebol do Fluminense e me convidou para ser o responsável pelas categorias de base do clube e o gerente no time profissional. Foram quatro anos no Fluminense, entre 2007 e 2010, atuando no dia a dia do futebol. Fomos campeões da Copa do Brasil, campeões Brasileiros, vice da Libertadores e da sul-americana. Dali eu fui para o Figueirense, para ser o executivo dos times de base. Em 2012 recebi um novo convite para retornar a CBF como chefe do departamento de observação técnica (scouting) com objetivo de montar o projeto olímpico de 2016. Mas eu sempre tive como objetivo retornar ao futebol nos Estados Unidos. Observando o crescimento da MLS, eu tinha essa vontade.
No final de 2015, eu fui convidado pelo Fort Lauderdale Strikes (que jogava a NASL, divisão abaixo da MLS), que tinha o Ronaldo como um dos donos do clube, para ser o diretor de futebol. No começo de 2017, o San Jose Earthquakes, da MLS, me chamou para ser o diretor de scouting do clube. Eram dois anos de contrato e se tornaram quase sete. E lá eu fiquei até receber o convite do Marcelo Paz, hoje CEO da Fortaleza SAF. Achei que era o momento certo de voltar. Para um grande clube, bem organizado, responsável e bem administrado.
QQ: Você então pegou talvez a primeira experiência do Ronaldo, hoje no Cruzeiro, como dono de clube.
BC: Eu acho que foi ali que ele começou a pegar gosto por esse processo. Ele não era o dono majoritário do clube. Ele era um acionista, usava muito a imagem dele para o clube. Mas eu acho que foi o pontapé inicial para, depois, ele ter comprado o Valladolid.
QQ: O fato de o Fortaleza ter virado uma SAF pesou para você ter aceitado o convite?
BC: O Fortaleza já era um clube muito bem organizado. O Marcelo Paz já fazia um trabalho formidável. Pegou o time na série C em 2017 e levou o time para Série A, para a Libertadores, final de Sul Americana. O Fortaleza é uma SAF que não fez venda das duas ações. Virou uma SAF para potencializar a chegada de investidores, mas não será vendida. Nenhum investidor terá mais de 50% da SAF, diferentemente do que acontece em outros clubes. Temos nossas responsabilidades, um fair play financeiro interno. Infelizmente, estamos vendo muitos clubes sem essa responsabilidade. Com contratações exorbitantes, sem cumprir com obrigações com outros clubes e com seus próprios atletas. O Fortaleza não faz isso. É um clube que honra com suas responsabilidades, em todos os processos. Muitos acham que o diretor de futebol está aqui só para contratar. E não é assim. Tem uma série de obrigações. São várias demandas internas do futebol profissional, das categorias de base, com comissão técnica, atletas, orçamento, logística, mercado. Não é simplesmente sair contratando jogador.

QQ: Uma preocupação de profissionais que trabalham no futebol brasileiro é a falta de estabilidade no cargo. Pela cobrança de resultados rápidos, às vezes, sem o tempo necessário para isso. Como isso funciona para você?
BC: Um garoto que saiu de Rondônia com 15 anos atrás de um sonho não tem medo de desafios. Realmente, com filho pequeno e esposa adaptada aos Estados Unidos, uma mudança assim não é fácil. Mas, chega um ponto na vida que precisamos de novos desafios. É uma grande oportunidade, trabalhar com o Marcelo Paz, que é um grande gestor. Sabemos da cobrança, sabemos que o resultado de campo, no final, é o que prevalece. É diferente do acontece nos Estados Unidos, mas é algo que eu estou acostumado, passei por isso na época de Fluminense, então, não tem novidade.
QQ: A sua experiencia de MLS vai aproximar o Fortaleza do mercado americano?
BC: Nos já trouxemos dois jogadores que estavam na MLS. O Luquinhas, do Red Bull, e o Matheus Rossetto, do Atlanta. O Fortaleza já tinha essa observação com a MLS e agora mais ainda.
O ambiente (no futebol brasileiro) é diferente. A torcida é apaixonada, é única.
QQ: Quais as principais diferenças que você nota do futebol brasileiro para a MLS? O quanto a torcida do Fortaleza é diferente das torcidas americanas?
BC: O ambiente é diferente. A torcida é apaixonada, é única. O clássico no Castelão há pouco tempo foi incrível. A forma que o brasileiro vive o futebol é diferente. Infelizmente ainda temos coisas pra lamentar, como a situação que passamos em Recife, no jogo contra o Sport. Quando bandidos, não torcedores, jogaram bombas e pedras no nosso ônibus. Esse tipo de coisa não pode acontecer. Nos Estados Unidos não aconteceria. Mas, no Brasil, o torcedor vive mais o jogo. É claro que, por ser um país muito grande, nos Estados Unidos tem regiões com culturas diferentes e maneiras diferentes de torcer. Eu estou muito feliz de estar aqui vivenciando novamente esse clima de futebol no Brasil.