Já imaginou após 20 anos de carreira ter que fazer uma entrevista de emprego pela primeira vez? Aconteceu com Bruno Cardoso, ex-goleiro do Palmeiras, hoje preparador de goleiro da divisão de base Chicago Fire, na MLS.
Natural de São Paulo, Bruno iniciou a trajetória no futebol aos 13 anos nas categorias de base do Palmeiras. Pouco mais de cinco anos depois, aos 18, já fazia parte do plantel profissional do time paulista. Porém, ele teve que esperar até os 23 anos, seis temporadas após subir para o profissional, para fazer a estreia no time titular, que tinha o ídolo Marcos como titular.
Após 18 anos de clube, e três títulos conquistados, incluindo a Copa do Brasil de 2012, Bruno deixou o Palmeiras e o Brasil para tentar a sorte nos Estados Unidos. Contratado pelo Fort Lauderdale Strikes, o goleiro não imaginava o que estaria por vir.
Em conversa exclusiva com o Quinto Quarto, Bruno Cardoso, hoje preparador de goleiros das categorias de base do Chicago Fire, da MLS, conta em detalhes como está essa nova etapa da carreira.
Nesta entrevista exclusiva com Bruno Cardoso, preparador de goleiro do Chicago Fire, da MLS, você também vai ler sobre:
- Caminho até a chegada na MLS;
- Primeira vez sendo entrevistado para um emprego na MLS;
- Experiência de morar em Chicago
- Ainda acompanha o Palmeiras?;
- Pretende voltar ao Brasil?
Quinto Quarto: Como foi esse caminho aqui nos Estados Unidos até chegar ao posto de preparador de goleiros na academia do Chicago Fire, da MLS?
Bruno Cardoso: Eu vim para os Estados Unidos em 2016. Eu cheguei com um contrato de dois anos mais um (dois anos garantidos, com mais um ano de opção para renovar) com o Fort Lauderdale Strikes. Joguei o primeiro ano com outros brasileiros como Kleberson, Adrianinho, Gabriel e Amauri. E como eu sempre tive vontade de morar nos Estados Unidos, eu mudei de vez. Trouxe todas as minhas coisas e vim com minha família. Mas, depois desse primeiro ano, o time parou. Faliu. Eu parei de receber e não sabia direito o que fazer.
Eu tive boas propostas para voltar ao Brasil, mas nenhuma me empolgou. Resolvi ficar e sabia que ia ter que começar do zero. Foi um período complicado, principalmente para eu me acostumar com a ideia de que eu ia parar de jogar.
Foi então que comecei a me ocupar de outras maneiras. Eu fiz cursos para ser preparador de goleiros. Comecei a dar aulas particulares. Em 2018, tirei minha licença de treinador da US Soccer. Depois disso , comecei a dar treinos para goleiros em um time de Boca Raton. Em seguida, iniciei esse trabalho em uma faculdade, das melhores na segunda divisão dos colleges no país. Dei aula também em High School. Fui assistente técnico e depois treinador principal de um time sub-17.
Protecting the cage, one save at a time. 🚫
Bruno Cardoso joins the @MLSNEXT Report for an inside look at the development of #CFFA goalkeepers! 🧤 #cf97 pic.twitter.com/9dDeQjOijS
— Chicago Fire Academy (@CHIFireAcademy) May 7, 2024
Chegamos até a fazer uma pré-temporada no Brasil. Eu fui me preparando e construindo meu currículo para estar pronto quando algo grande aparecesse. Antes de aparecer a oportunidade de ir para Chicago, eu estava como interino, fazendo um estágio, no Inter Miami. O preparador de goleiro dos times de base do Inter Miami tinha sido meu preparador de goleiros no Fort Lauderdale Strikers, o Ricardo Lopes, ex-Fluminense, e ele me convidou para ter essa experiencia. Eu sempre tive essa vontade de trabalhar em algum time da MLS.
Eu tinha acabado de completar seis meses no Inter Miami como interino nos times de base e apliquei para uma vaga no Chicago Fire. Isso no início de 2022. Eu não conhecia ninguém no clube. Eu já tinha tentado em outras equipes e nunca tinha tido resposta. Mas, dessa vez, eu recebi um retorno do Chicago Fire me chamando para uma entrevista. Passei por todas as etapas e estou aqui desde marco de 2022.
QQ: Então você não teve nenhuma indicação na MLS. Você mandou seu currículo e aplicou para uma vaga de emprego como acontece em qualquer empresa.
BC: Sim. Foi minha primeira entrevista de emprego na vida. Fiquei muito nervoso. A primeira entrevista foi com a pessoa do RH. Na segunda, a mais difícil, foi com o diretor do clube. A terceira foi com esse diretor e com o preparador de goleiros do time B que era o antigo preparador dos times de base do Chicago. Ele foi promovido e abriu essa vaga para qual eu apliquei. E essa terceira etapa foi a mais fácil. Nós falamos apenas sobre goleiros e a entrevista, que era para durar 45 minutos, levou apenas 10 minutos e eu fui contratado. Eu saí da reunião e já sabia que seria contratado. Nós nos demos muito bem.
QQ: Você é o preparador de goleiros da academia do Chicago Fire, da MLS. É o equivalente às categorias de base dos clubes brasileiros?
BC: É exatamente a mesma coisa. Todos os times da MLS têm suas categorias de base. Obrigatoriamente o sub-15 e o sub-17 e, quem quiser, pode ter ainda o sub-13, sub-14 e sub-19. Nós temos todos aqui. A partir do ano que vem isso vai mudar. Vai ser obrigatório ter sub-16 e sub-18. Mas é igual ao que acontece com os times no Brasil.
QQ: Como foi a mudança da Flórida para Chicago?
BC: É bem diferente. A Flórida é um local mais turístico. Nos dois tem muitos brasileiros. Mas aqui em Chicago a maioria vem para trabalhar. Tem muitas empresas aqui. Eu moro no subúrbio de Chicago, como se fosse Alphaville comparando com São Paulo. Eu sempre quis morar numa cidade que tivesse o inverno americano. Com frio. E aqui são 7 meses de frio, praticamente. Eu estou me acostumando. A sorte é que no inverno a gente treina indoor e tem toda a estrutura para isso, porque é pesado. O dono do time está construindo um novo complexo de treinamento para todas as categorias do clube. Vai ser fantástico.
QQ: Chicago é um dos locais mais tradicionais dos Estados Unidos quando o assunto é esporte. São times importantes nas maiores ligas americanas, incluindo a MLS. Como está sendo essa experiencia?
BC: Isso é bem legal. Chicago respira esporte. A gente está no Central Time, uma hora a menos do que a Flórida, então aqui os jogos acabam mais cedo. Dá para curtir mais. Eu gosto muito de esportes americanos e a cidade é muito forte nisso. O que tem um lado negativo também. O soccer, com a MLS, ainda não é um dos esportes mais populares por aqui, então, como Chicago oferece possibilidades no basquete, hockey, futebol americano e beisebol, a gente acaba perdendo alguns talentos para essas outras modalidades mais populares. Eu não consegui ainda ver um jogo do Bears no estádio, eu adoro NFL, mas está nos meus planos. Assim como quero também ver os Bulls e os Cubs.
QQ: Aliás, por falar em NFL, como você recebeu a notícia do jogo que vai acontecer no Brasil? O pessoal aí fala com você sobre isso?
BC: Muito legal. O pessoal me pergunta direto e ficam empolgados com isso. Para quem acompanhou o início das transmissões da NFL no Brasil, lá em 2004, 2005, ver o País recebendo uma partida é fantástico. Os jogos fora dos Estados Unidos serão na Inglaterra, Alemanha e Brasil. É muito legal. E tenho certeza de que isso só vai aumentar. Nos meus grupos de futebol americano tem muita gente se programando para ir ao jogo. Vai ser muito bacana.
QQ: E o Palmeiras? Você continua acompanhando mesmo de longe?
BC: Eu tento acompanhar o máximo que eu consigo. O Campeonato Paulista não passa aqui. O Brasileirão eu preciso descobrir qual a nova operadora está transmitindo, porque mudou nesse ano. Eu vejo mais os jogos da Libertadores. No ano passado, acompanhei a arrancada do time no Campeonato Brasileiro. Me lembro até que, naquela partida contra o Botafogo, eu estava na academia assistindo e quando o time tomou o 3 a 0 eu desliguei a TV e fui para casa. Quando eu cheguei lá, já estava 3 a 2 e eu voltei a assistir. Então, sempre que dá, eu acompanho sim.
QQ: Quais os próximos passos que você projeta para sua carreira? Seguir no Chicago até chegar ao profissional, voltar ao Brasil, virar treinador na MLS?
BC: Não penso em voltar ao Brasil. Exceto caso eu tenha uma proposta irrecusável. Estou crescendo bastante na minha profissão por aqui, sendo bastante respeitado. Treinadores de goleiros de outros times da MLS me procuram para trocar ideias. Curiosamente, o Chicago, assim como o Palmeiras, é conhecido por ser um grande formador de goleiros. Há dois anos, o clube vendeu o goleiro Gabriel Slonina para o Chelsea, maior negociação da história do Chicago Fire na época. O reserva dele, hoje titular, Cris Brady, é o goleiro da seleção olímpica dos Estados Unidos. E muitos goleiros jovens de alto nível que estão crescendo muito. Então eu estou muito bem aqui, fui convidado a participar de um comitê para a criação da licença da US Soccer para preparadores de goleiros. Sei que estou no caminho certo e tem gente observando isso. Meu objetivo é chegar ao time principal em algum clube da MLS.