Qualquer coisa que eu escreva será pouco para descrever como eu fui pego de surpresa. Estava saindo do cinema em plena noite de sábado e vejo as mensagens no meu celular. Andrew Luck está se aposentando? Como assim? Por algumas boas horas, me senti como um torcedor do Indianapolis Colts.
Time esse pelo qual tenho o maior respeito e admiração. Foi ‘culpa’ dessa franquia, em parte, por eu começar a gostar de futebol americano. Dela e de um tal de Peyton Manning. E, após Manning, Andrew Luck foi a personificação do que eu sempre gostei em um jogador de futebol americano.
Cara, essa bateu pesado. Eu assisti a coletiva, ainda sem a ficha cair, e comecei disposto a não chorar. Falhei nessa missão. Se alguém duvidar, basta perguntar à minha namorada Vitória. Foi o assunto da nossa janta tardia. Luck para lá, Luck para cá e tudo isso sendo exposto por um fã da bola oval totalmente perplexo.
E que coletiva, meus amigos! Em meio a uma notícia tão difícil de ser anunciada e o choro sendo segurado, enfrentando pausas doídas, Luck lançou no ar uma palavra positiva atrás da outra.
Lançou palavras do bem e agradecimentos com tanta competência quanto ele lançou para 23.671 jardas e 171 touchdowns em suas sete temporadas na National Football League.
“Esta não é uma decisão fácil. Honestamente, é a decisão mais difícil da minha vida. Mas é a decisão certa para mim”, disse Luck, após a derrota dos Colts para o Chicago Bears por 27 a 17, em um jogo inútil de pré-temporada que ficou ainda mais em segundo plano. “Pelos últimos quatro anos, estive nesse ciclo de lesões, dores, reabilitação, lesão, dores, reabilitação, e tem sido incessante, implacável, tanto na temporada quanto na offseason, e me senti preso nisso. A única maneira que vejo de sair disso é não jogar mais futebol americano”, observou.
Lesões e mais lesões. O motivo para Luck ter se afastado do esporte que tanto ama. A sorte nunca esteve do lado dele como sempre esteve em seu sobrenome.
Luck ia anunciar a decisão apenas neste domingo, mas resolveu adiantar a coletiva depois que a notícia vazou, trazida em primeira mão pelo brilhante Adam Schefter, da ‘ESPN’.
“Eu não tenho sido capaz de viver a vida que quero viver. Isso tirou a alegria deste esporte… o único caminho a seguir para mim é me afastar do futebol americano”.
É uma pena mesmo. O azar maior dessa aposentadoria é nosso. Todos nós perderemos a chance de ver Luck no Hall da Fama um dia. Vamos ficar imaginando como teria terminado essa carreira se ele tivesse jogado 15, 16 anos na liga. O quanto esse camisa 12 teria nos dado melhores momentos. E, mais ainda, o quanto ele teria nos mostrado o que é ser um ídolo.
Jogador destemido, nunca teve medo de evitar contato. Isso para o seu bem e, sobretudo, para o seu mal. Últimos anos de linhas ofensivas porosas contribuíram muito para seus problemas físicos. Mas até mesmo os grandalhões da OL foram lembrados por ele com suas palavras lindas.
Prestes a completar 30 anos, já que faz aniversário no dia 12 de setembro, Luck deixa o futebol americano muito antes do que deveria. E do que merecia.
Selecionado com a primeira escolha geral do draft de 2012, teve um início de carreira promissor e liderou os Colts aos playoffs em cada uma de suas três primeiras temporadas na liga. Incluindo títulos consecutivos da divisão AFC South e à final da Conferência Americana (AFC) em 2014. Sim, aquele mesmo jogo do escândalo Deflategate, de Tom Brady, Patriots e suas bolas murchas.
E, infelizmente, a partir de 2015 tudo começou a ruir.
Luck sofreu uma lesão no ombro na semana 3 da temporada 2015 e perdeu 26 jogos desde então, incluindo toda a temporada 2017, devido a problemas no ombro, no rim e nas costelas. E foi durante aquele mesmo ano que Luck questionou se seria capaz de voltar a jogar.
2018 nos mostrou que sim.
O astro dos Colts voltou em nível espetacular e lançou para 4.593 jardas e 39 touchdowns, ganhando o prêmio de Comeback Player of the Year, dado ao jogador que superou adversidades e deu a volta por cima. Seu desempenho foi responsável em grande parte por levar Indianapolis de volta à pós-temporada pela primeira vez desde 2014.
Ele teria, inclusive, levado o prêmio de MVP não fosse Patrick Mahomes e sua fantástica temporada com o Kansas City Chiefs.
Mas a amostra que ele havia voltado a ser o grande Luck durou pouco.
Nesta offseason, um problema na panturrilha o atingiu e o tirou das atividades, incluindo a maior parte do training camp. E o problema também era na parte superior do tornozelo.
O desgaste mental e físico sugou de Luck toda a vontade que ele tinha de voltar. É totalmente compreensível. São as “cicatrizes emocionais”, como ele mesmo disse.
O pior foi saber que alguns torcedores do Indianapolis Colts vaiaram Luck enquanto ele saía de campo após o jogo deste sábado. “Eu estaria mentindo se dissesse que não ouvi. Sim, doeu”.
Uma dor que, possivelmente, tenha sido maior do que todas as lesões somadas. A dor de uma derrota que não foi culpa dele. Ser vencido é genuinamente humano também. Vaiar o QB que entregou tudo que tinha quando vestiu o ‘horseshoe’ é genuinamente desumano.
“Eu cheguei à proverbial bifurcação da estrada. Eu fiz uma promessa para mim mesmo que, se eu fizesse novamente, eu escolheria a inocência”.
Inocência que até está no brilho dos olhos de um QB que é um dos mais carismáticos e humildes que já vi. O signal caller que ama ler e indicava livros para seus companheiros no vestiário. O que usa sua offseason para tocar adiante seu clube do livro.
Mas não se engane. Essa inocência é só no olhar e no jeito. Dentro de campo, Luck é dono de um braço invejável, coragem, inteligência e postura que tanto faltam em muitos quarterbacks.
A notícia da aposentadoria de Luck pegou a gente de jeito. Imagine dentro dele.
Essa foi, certamente, uma das mais tristes que já vi em meus anos cobrindo futebol americano e amando esse esporte.
Nunca mais vou acreditar tanto na sorte como eu acreditei em Luck.
Assista a entrevista coletiva completa de aposentadoria de Andrew Luck