Depois de voltar a escrever textos “de opinião” na semana passada – os fãs dos Cavaliers não queimaram a minha casa – volto nesta semana com um texto que não vai criar rebuliço ou inspirar piromaníacos. Estas linhas serão sobre um fim (o de Isaiah Thomas, que se aproxima) e como este fim me lembra outro fim e também o fim de um esporte que conhecíamos como basquete.
Como trilha sonora, coloco “O Fim”, dos Portas.
Isaiah Thomas nunca mais será o mesmo
A temporada passada de Isaiah Thomas será algo que ficará na minha memória, apesar de ter sido a quarta ou quinta narrativa mais importante da NBA em 2016/17. Foram mais importantes:
- Durant sai do Thunder e vai para os Warriors. Como será o confronto entre os dois times? Ele e Westbrook vão colocar luvas e um octógono será formado no meio da quadra?
- Russell Westbrook e a corrida pelo triplo-duplo de média na temporada, rumo ao MVP
- O que James Harden e Mike D’Antoni estão fazendo em Houston? Essa por%$ é basquete?
- Joel Embiid representa o fim da “era de lixo” dos 76ers? O cara é mesmo o filho de Hakeem Olajuwon com Shaquille O’Neal?
E aí vem Isaiah Thomas, que deixou de ser um armador com um sério problema de altura para ser um Deus do último quarto, um jogador que apesar de não marcar nem o Kevin Hart no Jogo das Estrelas, tinha que estar em quadra porque era um pesadelo para as defesas adversárias.
Dois times depois, uma lesão séria no quadril e agora Isaiah é possivelmente o pior jogador da NBA que você consegue dizer o nome sem rir depois. Por exemplo, falar as palavras Joakim Noah e “NBA em 2018” tem que ser acompanhados pelo menos de uma risadinha, o que tira o francês da disputa.
Thomas chegou nos Lakers com 26% de aproveitamento nas bolas de três em uma passagem abaixo de horrível nos Cavaliers. E no último jogo antes do All-Star Game, que aliás ele esteve presente em 2017, ele acertou 3 de 15 arremessos, com cinco turnovers e 0 de 5 atrás do arco. Isso é o equivalente esportivo a dançar por 15 minutos com uma pessoa que está de costas na balada e descobrir no fim que ela é sua irmã.
Explicar essa queda de rendimento do baixinho é uma das coisas mais simples que já fiz para o Quinto Quarto. São dois fatores claros.
Os dois fatores claros
Brad Stevens é o mago da prancheta. A razão para ele pegar todos os jogadores que passaram pela mão dele e fazerem render algo que ninguém esperava se deve ao fato que ele não se preocupa com um esquema apenas. Se ele recebe um pivô que arremessa de três bem, ele vai fazer esse cara arremessar de três, não colocar embaixo da cesta e jogar como se fosse 1975, só porque ele gosta desse estilo. Ou seja, se Brad Stevens treinasse um time de futebol e tivesse quatro bons armadores no elenco, ele jogaria com os quatro e não ficaria de sacanagem deixando um no banco para colocar alguém que não acerta um passe de dois metros.
Stevens pegou Thomas e o colocou na melhor posição possível para ser bem-sucedido. Os Celtics gostam de movimentar a bola. Isaiah Thomas então fez do seu jogo um caos de cortes secos e sua eterna ameaça de infiltração, seja com a bola ou sem. E o fato de ter tanta movimentação e jogadores inteligentes criou arremessos livres para o camisa 4, que se tornou um jogador com mais de 37% de aproveitamento atrás do arco.
Então a primeira razão se chama Brad Stevens. Com ele Thomas era um marcador horrível, mas escondido, e um jogador ofensivo iluminado, que por ter a habilidade e a explosão para partir para a cesta fazia os marcadores darem um passo para trás para não serem batidos pela velocidade. E isso possibilitou seus arremessos, mesmo tendo um release muito mais baixo pela sua altura.
A segunda razão foi sua lesão.
Nós brasileiros sabemos como uma lesão de quadril pode acabar com sua carreira, sendo basicamente traumatizados pelo fim de carreira do Guga.
Jogando no sacrifício por semanas, como soubemos depois dele ter sido afastado nos playoffs na temporada passada, sempre se falou sobre como essa lesão poderia ser séria. E o pior: Thomas ainda estava insistindo que queria receber um contrato máximo. Ou seja, tudo indica que ele pode ter forçado a barra tanto ano passado como neste ano para voltar. Claro que médicos precisam liberar, mas é também claro que Isaiah Thomas não está 100% a cada vez que entra em quadra para jogar. Em um mundo ideal, ele talvez tivesse feito a cirurgia e tirado o tempo certo para se recuperar.
E Isaiah Thomas, sem explosão e a mesma coragem insana que o fazia partir para a cesta e ser um trem descarrilhado que consegue bandejas, é só um jogador de 1,75 m. Com um release baixo, com um arremesso que até é bom, mas não é inacreditável – ele não é um especialista -, e péssimo na defesa. Ou seja, um cara que não pode ser titular em uma liga que tem 20 armadores esperando para te assassinar toda noite e mais vindo no Draft a cada ano.
Ele é melhor que 3-15 e 5 turnovers vindo do banco, com certeza. Mas não será nesta temporada e não será até ele verdadeiramente curar o seu problema. Este fim de temporada tem tudo para ser problemático porque ele e Lonzo Ball juntos abrem a possibilidade de 130 pontos para o time rival. Ou seja, é provável que ele continue vindo do banco. E assim seu contrato máximo fica ainda mais improvável.
Mas mesmo que ele fique 100%, ele não será o mesmo de 2017/18, porque Brad Stevens não será seu treinador. E para entender Isaiah, você precisa de um treinador que pense fora da caixinha. E mesmo assim será difícil esconder alguns problemas sérios de seu jogo.
E tudo isso me faz lembrar outro armador que marcou minha vida de espectador de esportes, seja ele qual for, menos patinação artística.
Derrick Rose e uma NBA de cinco anos atrás que parece 20 anos atrás
Este texto seria originalmente sobre como a NBA dos anos 2000 morreu junto com o joelho de Derrick Rose na quadra do Wells Fargo Center, na Filadélfia. Mas a verdade é que não tenho tantos argumentos assim, apenas uma impressão.
Que são:
- Antes daquela temporada começar, eu lembro que li um texto de Fabio Sormani falando que um time X tinha contratado dois pivôs defensivos para poder parar Dwight Howard com um rodízio de faltas. Há quanto tempo você não ouve isso? Essa era realmente uma preocupação, especialmente contra pivôs como Shaq: você tinha que ter vários jogadores para marcar ele e ter pelo menos 18 faltas (3 jogadores com seis cada um) para fazer.
- Nós víamos Carlos Boozer jogar com Joakim Noah e achávamos aquilo moderno porque Boozer, apesar de ser pesado em seus tempos de Bulls, tinha um arremesso de média-distância.
- Os Bulls foram o 1º da Conferência Leste na temporada regular, com 50 vitórias em 66 jogos (teve locaute). A equipe arremessava em média 16,9 bolas de três por jogo, ficando no meio da tabela nesse quesito. Os Bulls de hoje arremessam 31 bolas de três por jogo. E esse nem é um número absurdo (10º na liga).
Nesse ambiente de alas-pivôs jogando com pivôs, ambos com mais de 2,08 m ficando perto da cesta e poucas bolas de três, um jogador como Derrick Rose era incrível. Ele passava voando por todo esse tráfego, com uma habilidade com as duas mãos e uma velocidade e agilidade inacreditáveis. Ele é um dos que mais gostei de ver jogar na minha vida.
Dito isso, a maior lástima da carreira de Rose foi ter chegado cinco anos cedo e ter por isso sido uma das vítimas dessa mudança na NBA, que abriu o jogo e fez o basquete basicamente virar um esporte sem posições. Ainda estamos no começo da destruição das posições, mas atletas como Giannis Antetokounmpo foram criados para ficar livres.
Era óbvio que o jogo de Rose, parecendo uma wrecking ball que a Miley Cyrus subiria em cima, não envelheceria bem. Suas seguidas contusões não são só por causa de seu jogo quase inconsequente, mas com certeza elas foram uma razão. E sua volta se tornou impossível com sua perda de explosão e o fato de, por ter chegado cinco anos antes, ele não foi colocado em um ginásio para treinar 500 bolas de três por dia.
Rose sem sua explosão virou um jogador completamente dispensável, já que ele não tem um arremesso de três em uma liga onde Stephen Curry é duas vezes MVP e Damian Lillard, que poderia perfeitamente passar o jogo atacando a cesta como um louco, aprendeu que ele precisa ter mais armas. E isso é algo que temos que tirar o chapéu para Russell Westbrook – para os que acham que eu odeio ele, aqui está um grande elogio – que teve uma lesão seriíssima no joelho, voltou com sua agressividade intacta mas também mais cerebral. Ele nunca será John Stockton, mas seu aumento no número de assistências mostra que ele entendeu que 120 km/h a todo momento levará ele apenas para a mesa de cirurgia, não para a conquista do título.
Isaiah Thomas descobriu que tinha a possibilidade de ser algo a mais com um treinador à frente de seus concorrentes. Só na temporada que ele saiu de Phoenix para Boston, ele passou de arremessar 4,4 bolas em média atrás do arco para duas a mais por jogo (6,6). E na temporada iluminada dele, 2016/17, ele chegou a 8,5 por jogo, quase o dobro de seu tempo de Suns.
Mas sem estar 100%, ele não terá a ameaça da velocidade a todo momento. Os marcadores podem ficar mais em cima e seu arremesso não sairá. O fim de Isaiah Thomas pode estar muito próximo e ele se assemelha com o de Derrick Rose.