Os mais maldosos com o atual camisa 23 vão falar “muito” e se eu concordasse o texto se encerraria aqui.
Boa noite.
Tô brincando. Depois da improvável e heroica conquista do Cleveland Cavaliers contra o Golden State Warriors na temporada 2015/16, LeBron e seus defensores estufaram o peito para começar pelo menos um debate. Porque para falar que existe alguém melhor que Jordan ou Pelé, você não pode começar pulando de cabeça, é preciso avançar com muito cuidado.
Não pode ser uma coincidência que, no mesmo dia que os Cavs comemoravam essa conquista, Michael Jordan deu o sinal verde para a realização do que viria a ser The Last Dance. O eterno camisa 23 era a peça que faltava para liberar as imagens gravadas durante a temporada 1997/98 e que, como estamos vendo, nem sempre são das mais simpáticas para a imagem de Jordan.
Confira nosso babacômetro do documentário The Last Dance. Quem merece ser canonizado e quais são as pessoas que se superam na babaquice:
Só que até o mais ‘lebronista’ está roendo as unhas com a sequência infinita de jogos de 30 e muitos, 40 e tantos e 50 pontos, a completa aniquilação de todos os rivais – Magic, Barkley, Malone, Drexler, Ewing, Miller – e a percepção que, na melhor das hipóteses, ainda falta pelo menos um pouco para LeBron James ultrapassar Michael Jordan.
Falta muito? Não tem como pegar mais? Eu vou começar este texto fazendo a argumentação pró-“ainda é possível” e depois vou expor a argumentação “já era, amigão”. Você só vai precisar brincar de Sergio Moro – ou um juiz do seu gosto – e dar o veredito. Nós queremos saber sua análise, então pode mandar na seção de comentários abaixo.
Conteúdo
Ainda é possível que LeBron James ultrapasse Michael Jordan?
Para fazer uma comparação de verdade é preciso pegar muitos critérios, números e sempre pesá-los de forma cuidadosa. O argumento mais simplista é sempre falar que 6 é melhor que 3 – surpreendentemente também é melhor que 5 e 4 – e tentar encerrar qualquer discussão. Se for assim, 11 é maior que 6 e Bill Russell é o primeirão indiscutível.
Para começar, Michael Jordan era um ás do ataque, mas um defensor espetacular também. Por isso, falar que alguém é mais completo que ele beira o sacrilégio. Até que LeBron James apareceu e ainda está atuando em uma carreira que tem pelo menos quatro atos e estilos diferentes.
LeBron é mais um garoto que cresceu vendo Jordan e fez de tudo para ser um emulador. A NBA no fim dos anos 90 e começo dos anos 2000 teve mais “novos Jordans” que o Santos teve “novos Robinhos”. As cópias de MJ eram jogadores habilidosos, criadores do próprio arremesso, que amam um isolation, não amam eficiência nem assistências. E nessa procura para substituir um mito tivemos outros gênios – Kobe Bryant – e outros, nem tanto… O ‘The Ringer’ fez um compilado de próximos Jordans para você se deleitar.
Mas LeBron aos poucos foi mostrando que tinha mais no jogo dele. Mesmo em uma equipe tenebrosa, ele também sabia ser garçom, tendo em sua primeira temporada mais assistências que Jordan em 10 de suas 13 temporadas na liga. Na comparação com Kobe, LeBron como calouro teve mais assistências por jogo em uma temporada que Kobe em 16 de seus 20 anos na NBA. Detalhe: LeBron só aumentaria esse número nos próximos anos.
Na sua primeira fase das quatro que mencionei, LeBron era um emulador de Jordan mas também tinha muita semelhança com outro jogador daquele Bulls: Scottie Pippen. Enquanto Kobe era da mesma posição que Michael Jordan, tinha a mesma altura, a mesma língua para fora, voracidade para pontuar e até personalidade e trejeitos, LeBron tinha um corpo mais similar ao de Pippen, sua liderança não era a mesma que a de Michael e apesar dele ser um scorer, não dava para resumir o camisa 23 do Cleveland Cavaliers a apenas isso.
A segunda fase de LeBron é visível em 2008/09. Ainda em times medíocres dos Cavs, LeBron não precisou malhar para encarar um time físico como os Pistons e, sim, porque ele precisava carregar o resto da equipe nas costas.
Ele teve 66 vitórias com Mike Brown como treinador e Delonte West, Mo Williams, Zydrunas Ilgauskas, Sasha Pavlovic, Ben Wallace (depois do auge) e Anderson Varejão. Com todo o respeito a todos esses nomes, especialmente nosso Varejão, ninguém na história da NBA chegou tão perto de 70 vitórias com tão pouco. Todos esses nomes que citei não são a rabeira do elenco e sim os titulares por mais de 10 jogos naquela campanha.
LeBron foi MVP pela primeira vez em 2008/09 e seu corpo já se assemelhava a um tanque da Segunda Guerra. Não à toa ainda era frustrante ver ele tentando arremessos de média distância como se ainda fosse um emulador de Jordan preso na NBA do fim dos anos 90. Zé Boquinha quase morreu de infarto ao vivo em todo jogo que fazia, apontando cada arremesso idiota que LeBron tentava em vez de partir para a cesta arrasando quem ficasse pelo meio do caminho.
Isso se prolongou até seu segundo ano de Miami Heat, quando tudo parece ter se encaixado. Depois de ser humilhado pelo Dallas Mavericks, que colocou JJ Barea, DeShawn Stevenson e se duvidar até Mark Cuban para marcar LeBron, amando cada jump shot dado em vez de vê-lo partir para a cesta, LeBron mudou.
Seu número de arremessos de dois pontos aumentou, o de 3 caiu e ele finalmente ganhou seu título. A temporada seguinte, com o Heat vencendo 27 jogos seguidos, tirando a vitória contra os Spurs daquele lugar, e com mais de 56% de acertos nos seus arremessos de quadra, LeBron James teve seu auge físico. Na temporada seguinte, com Dwyane Wade colapsando e Bosh sem conseguir ascender, o Miami Heat até chegou na final, mas sua era acabou com uma pancada dos Spurs.
Com sua volta aos Cavaliers, começa a terceira fase. Ele perdeu peso para ficar mais rápido e começou a fazer seriamente algo que muitos o cobrariam depois – se poupar tanto de jogos como até durante os jogos. Logo no seu ano de reestreia em Cleveland, LeBron deu um tempo em Miami – não foi similar ao tempo de Rodman em Las Vegas – para se recuperar fisicamente, perdendo sete jogos. Os Cavs só conseguiram uma vitória nesse período.
Sua média de pontos caiu um pouco antes de voltar a subir, mas claramente ele também abria espaço para um jogador como Kyrie Irving brilhar. Não é uma coincidência que o grande marco da final de 2016 foi uma jogada ofensiva de Kyrie e uma defensiva de LeBron.
Esta ser sua última fase já seria um fim interessante para sua carreira, mas ele ainda guardou uma quarta fase para Los Angeles. LeBron hoje é um armador, que irá liderar a liga em assistências com mais de 10 por jogo – dependemos de como a temporada será decidida – sem deixar de ser um grande pontuador, arremessando o maior número de bolas de três de sua carreira e ainda pegando rebotes (basicamente o mesmo que seus anos de Heat). Isso tudo em sua 18ª temporada.
Bom, peguei toda a carreira de LeBron James para falar o seguinte: ninguém nunca fez isso. Jordan também pode ter sua carreira dividida em eras, claro. Mas nunca dará para falar “Jordan passou de pontuador voraz para um garçom”. Jordan sempre foi um scorer, o que mudou foi seu físico, passando de um pássaro com a rapidez de um guepardo, de seus anos iniciais até sua primeira aposentadoria, para um assassino do mid range na fase final.
Essa versatilidade de LeBron é algo impressionante, assim como seu cuidado com o físico, que com certeza é uma herança do preparo que Jordan teve a partir do fim dos anos 80. Só que aqui está a grande chave para o argumento que LeBron James pode ultrapassar Michael Jordan.
Michael Jordan se aposentou pela primeira vez ao fim da sua nona temporada. LeBron James no fim de sua nona temporada finalmente era campeão. Jordan encerrou sua carreira pela segunda vez quando encerrou sua 13ª temporada – contando a sua volta no meio para o final de 1994/95 – enquanto LeBron vencia seu título pelos Cavs nessa mesma 13ª temporada.
LeBron tem 18 anos de liga e o argumento que Jordan usa sobre estar esgotado e precisar parar podia ser usado com ainda mais força por LeBron. Ele é uma celebridade desde que estava no ensino médio, também não pode sair para a rua sem ser acossado, também teve temporadas longas – com oito finais seguidas no seu auge – e nunca deixou o jogo.
Sua longevidade é algo assustador e ele ser relevante na 18ª temporada, candidato a MVP, melhor campanha da Conferência Oeste, top 10 em pontos, melhor garçom e top 25 em rebotes, é algo que não tem paralelo. Só Kareem Abdul-Jabbar chegou perto.
LeBron James ainda não encerrou sua carreira e a diferença de um MVP de temporada regular, três de finais de NBA e três títulos pode ser diminuída. O fato de ele ser mais completo que Jordan ou qualquer outro jogador que já jogou na NBA e ter a maior longevidade competitiva – longevidade por si só Vince Carter também tem – são argumentos muito fortes. Se ele consegue mais um ou dois anéis, é justo que todos esses argumentos se unam para dizer que LeBrom ultrapassou Jordan. Digo justo, não certo.
Para encerrar esta sessão, é digno passar por alguns argumentos anti-LeBron para desmitificá-los.
Sim, LeBron perdeu muitas finais de NBA – seis para ser exato – mas não é culpa dele que a montagem do elenco do Cleveland Cavaliers por toda sua primeira passagem foi algo digno de prisão e pena capital para os responsáveis. Quando ele teve elencos melhores, como a partir do segundo ano de sua passagem pelo Miami Heat e nos seus anos de Cleveland, apareceu o San Antonio Spurs dando uma aula de basquete e um Golden State Warriors que mudou a liga.
Sim, ele disputou nove finais, mas em só duas delas sua equipe era favorita – a primeira contra os Spurs e contra os Mavs -, contra seis de seis de Jordan. E isso não é porque um time tinha Jordan e outro tinha LeBron. É porque um time tinha Jordan, Pippen, Horace Grant ou Dennis Rodman e um dos melhores treinadores da história.
Só há uma final verdadeiramente imperdoável para o legado de LeBron James: contra os Mavericks em 2011.
Segundo, a questão das panelas. Sim, LeBron James foi o jogador que pegou o conceito de chamar um amigo para ganhar um anel – algo que existe desde que a NBA foi criada – e levou a outro nível.
O documentário The Last Dance é sensacional para mostrar como esse outro nível foi alcançado: Jordan, Pippen e Jackson, três das maiores estrelas da NBA, odiavam Jerry Krause, que 99,9999% da população mundial nem sabe quem é. Em 1999, Jackson estava fora de Chicago, Pippen estava em Houston e Jordan aposentado. Krause estava no mesmo lugar.
Isso jamais aconteceria em um time com LeBron James, que muitas vezes ultrapassou sua hierarquia, minando o poder de dirigentes e treinadores. Ao mesmo tempo em que isso era errado, ele nunca teve um Phil Jackson e só teve um Krause por quatro anos. Não à toa foi a quatro finais e ganhou dois títulos em quatro anos com Pat Riley montando os elencos do Heat.
Falar em panelas como se isso fosse um argumento com fim em si próprio é um erro. Se LeBron tivesse um Scottie Pippen e Phil Jackson, ele não teria tido as mesmas mudanças de times e atitudes. Em Miami, no seu último ano, Wade já claramente não era o mesmo de seu auge de 2006 a 2011. Em Cleveland, Kyrie e a bagunça da direção impediram uma situação estável, que LeBron também não quis arrumar e ser o apaziguador/Phil Jackson do rolê.
Seu Scottie Pippen chegou na 18ª temporada com Anthony Davis. Pena que tivemos uma pandemia.
Já era: Michael Jordan não será ultrapassado por LeBron James
Por mais que LeBron James ainda não tenha se aposentado, não é viável pensar em três títulos para igualar MJ. E mesmo que isso aconteça, o que seria espetacular, James precisaria de muitas tentativas a mais para conquistar o mesmo.
Seis títulos já é algo incrível. Seis títulos em seis finais é um absurdo. Ainda mais considerando que entre os dois tri seguidos, Jordan foi jogar beisebol e voltou no final do segundo ano apenas.
O grande argumento para Jordan, e por isso passamos por cima do fato que Russell tem mais títulos e Kareem também tem seis anéis, um MVP a mais e durou mais na liga, é que Michael Jordan simplesmente não deu chances e empilhou momentos históricos. Se você criar um ranking de seus momentos mais incríveis, você tem que incluir coisas como:
– Em 40 segundos de partida de um jogo 6 de final de NBA ele fez dois pontos, tirou a bola das mãos de Karl Malone, um dos maiores da história, como um irmão mais velho tira a bola de seu irmão de quatro anos, carregou a bola até o ataque, fez seu marcador cair no chão e acertou o arremesso para decidir o título. Ele foi o único Bull a tocar na bola nesse período todo.
Sério, olha este vídeo.
– Com uma intoxicação alimentar durante o jogo 5 da final da NBA, na casa do adversário (que teve a melhor campanha, só perdeu três jogos de mais de 50 em casa na temporada e tinha o MVP da NBA), ele teve 38 pontos, 7 rebotes, 5 assistências e 3 roubadas.
– Com 23 anos nas costas, com uma equipe fraca e voltando de uma lesão no pé, Jordan fez 63 pontos contra um dos melhores times da história, o Boston Celtics de 1986, na casa deles. Esse é o recorde de pontos em um jogo na história dos playoffs da NBA.
Essas coisas são inacreditáveis. Mas o mais impressionante é que, um a um, ele foi derrubando todos os seus rivais à época, negando a muitos deles a possibilidade de ter um título. Russell fez o mesmo, mas Jerry West e Wilt Chamberlain conseguiram morder uma conquista pelo menos. Magic foi incrível, mas ele perdeu títulos para Larry Bird, viu Julius Erving vencer, seu time levou uma varrida dos Pistons em uma final. LeBron perdeu títulos para Curry, Dirk, Duncan, Durant.
Jordan e seus Bulls fizeram Nova York e Patrick Ewing passar raiva. Começaram sua dinastia batendo Magic Johnson. Clyde Drexler, coitado, foi arrebentado e só foi vencer quando juntou forças com Hakeem em Houston. Karl Malone foi humilhado em praça pública nas duas finais contra os Bulls. E Charles Barkley, por mais que tenha jogado muito nas finais de 1993, não conseguiu vencer uma partida no seu ginásio na série melhor de 7.
E, por fazer tudo isso, Michael Jordan alcançou o status final para um atleta: ser unânime. Mesmo se você fosse arrebentado pelo cara, não tinha como odiar ou tentar diminui-lo, só aplaudir. Estamos em um mundo polarizado, onde pessoas que gostam de Messi ou Nadal não podem gostar de Cristiano Ronaldo ou Federer e vice-versa. Tudo bem, rivalidades são divertidas e você pode gostar mais de um ou de outro, mas LeBron não é unanimidade. Jordan é.
Descredenciar esse argumento como chatice das pessoas de 2020, que querem aparecer nas redes é justo, mas não é o único ponto. É preciso falar sobre o elemento “carisma” também. Jordan era mais sem filtros, inclusive no trato com a imprensa, enquanto LeBron é um produto moldado pelos melhores profissionais de relações públicas e do marketing.
É mais difícil se ver e ‘se relacionar’ com LeBron do que era/é com Jordan ou até Kobe Bryant. Não à toa Kobe está mais perto de ser unânime que LeBron, com muitos cometendo o absurdo de falar que o jogador dos Lakers é melhor que LeBron.
Sim, eu sei que essa frase é polêmica.
Claro que Michael Jordan também foi o resultado de todo um trabalho de media training, inclusive sendo o produto perfeito para o marketing esportivo que a Nike fez explodir. Mas ele sempre foi mais carismático e acessível, dando entrevistas e declarações que você tem por onde “pegar”. As entrevistas de LeBron costumam ser um sonífero completo. Dá para fazer o mesmo paralelo com Ronaldo e Neymar, por exemplo.
Enfim, tudo isso para falar que Michael Jordan é quase inatingível não só por sua dominância em quadra e seus números assombrosos, mas também por ter alcançado um status de “maior do que tudo”.
Não é absurdo falar que Jordan foi maior que a NBA em certos momentos. Isso nunca pode ser dito de LeBron, que por boa parte de sua carreira não foi o maior astro da liga – Kobe foi – e se você me disser que Stephen Curry é o jogador mais importante da NBA nos últimos anos, existe uma discussão.
Se você disser que algum jogador foi mais importante que Michael Jordan entre o fim dos anos 80 até 1998, você é maluco.
Conclusão de um texto Jordan vs LeBron (que já tem 2800 palavras)
Você que decide se existe uma discussão Jordan x LeBron ou se não dá mais para o atual jogador do Los Angeles Lakers. Não há algo que eu odeie mais do que pessoas que negam um debate falando que não existe comparação, algo que os fãs de Pelé, por exemplo, fazem muito. Ninguém é insuperável. Mas Michael Jordan chega muito próximo disso.