Em meio às estreitas ruas de Western Bicutan, na cidade de Manila, capital das Filipinas, as histórias de um conjunto habitacional e de seus moradores resistem graças a um ambicioso projeto artístico, capaz de extrapolar o tamanho real de gigantes da NBA, como o astro LeBron James.
Um desses projetos está em um espaço erguido entre o shopping Sunshine Plaza e o hospital distrital de Taguig-Pateros. O lugar passou a ser povoado na década de 1960, mas as raízes de sua fundação datam da Segunda Guerra Mundial.
Parte das obras japonesas durante a ocupação do território filipino, na época do conflito, o bloco de apartamentos populares foi construído ao redor de uma quadra de basquete. Mas ao contrário de outras quadras por aí, nessa o esporte é apenas coadjuvante.
O espaço, no centro do antigo empreendimento já deteriorado pelos infortúnios do tempo, serve como local de prática esportiva, mas também de confraternizações e eventos. É, portanto, uma área importante para os moradores.
A peculiaridade não reside, entretanto, nas atividades realizadas ali. O que torna essa quadra diferente de todas as outras é sua beleza e o potencial de ser um agente transformador por meio da arte. O chão do local ganha o grafite do realismo mágico do artista plástico Maya Carandang.
Mas nem sempre foi assim. Antes de 2016, ela era, de fato, apenas um retângulo com duas tabelas nas extremidades onde jovens com uma bola laranja se aventuravam em dribles e arremessos.
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O risco de demolição
Naquele ano, os locatários receberam a notícia que não queriam ouvir. O prédio seria demolido e os moradores, realocados.
— É claro que as pessoas que moram lá não querem ir a lugar algum. É lá que elas vivem e trabalham. Todos os recursos de que precisam estão lá — explica Maya, o artista responsável pelas pinturas no chão da quadra, em entrevista ao Quinto Quarto.
Ele conta que o projeto de realocação não agradou, já que planejava enviar as pessoas do conjunto habitacional para novas casas distantes do endereço atual, afastadas da cidade.

E é aí que Maya entra na história. O artista foi convidado por um amigo a criar uma nova identidade para a quadra, na intenção de promover e valorizar o local. Salvá-lo da demolição já era um sonho.
O plano passava diretamente pela estrela da NBA, na época ainda no Cleveland Cavaliers, LeBron James. O astro tinha passagem comprada para conhecer as Filipinas naquele ano, como parte de uma ação da Nike, e visitaria o conjunto de habitações populares de Western Bicutan.
— A ideia era fazer barulho e construir uma obra de arte para que o mundo e o governo vissem o que estava acontecendo lá — explicou Maya.
O poder daquele desenho — o retrato do salto que antecede uma enterrada, lance assinatura do craque — foi tanto que até o próprio King James se surpreendeu.
Ele esteve na quadra e colocou os pés sobre a mesma tinta que eternizou sua imagem na história do bairro da capital filipina.
Diante dos ávidos olhares de cada um dos mais de 5 mil habitantes do conjunto vertical de oito andares, que se aglomeraram para presenciar o momento, ele assistiu a uma partida entre crianças no solo marcado com seu rosto.
— Lebron James veio, visitou o local e ficou muito impressionado com o que viu, pois ele não sabia que estava pintado na quadra. Ele compartilhou a imagem com o mundo, e foi assim que a foto viralizou. O resto é história.
Na época, em agosto de 2015, LeBron mostrou o seu status de King dentro e fora das quadras e celebrou o projeto em um texto nas redes sociais.
— Visitei esse lugar incrível em Manila. Um estacionamento abandonado que foi ocupado por mais de 5 mil familiares desalojados. Essa quadra de basquete é o coração e a alma e, se não fosse pelo basquete, que deu a crianças uma distração das más influencias ao redor, o governo destruiria esse lugar. Estou honrado por ter a minha imagem nesse espaço. Até a próxima, Filipinas.
Propósito
No mesmo lugar onde LeBron foi arte e visitante, Maya fez outros projetos ao longo dos anos.
Astros da NBA, Stephen Curry, Kevin Durant e James Harden também foram objeto de pinturas, assim como o boxeador e ídolo filipino Manny Pacquiao.

— Meu propósito era fazer algo bonito. Mas quando soube que estávamos tentando salvar o prédio, eu pensei ‘por que não fazer mais disso?’ — revelou o artista.
Ele explica que a fama adquirida pela quadra de LeBron James abriu portas para outras imagens e, ainda, novos espaços.
— Queríamos atrair gente para ajudar, espalhar a palavra desses prédios e salvar essas pessoas.
As lendas do basquete Kobe Bryant e Michael Jordan ganharam também uma homenagem, mas em outra quadra, no bairro Santa Ana, um distrito de Manila.

Atualmente, quem visitar esse segundo conjunto habitacional verá, no chão, uma enorme imagem de LeBron e Jordan que provoca: “quem é o seu GOAT?”.
— A quadra original já havia conseguido atrair a atenção do governo. Então, as pessoas desse conjunto em Santa Ana, que viviam a mesma situação (risco de despejo e demolição), me contataram e pediram que fizesse uma pintura lá, pois queriam a mesma atenção.
O artista conta que o novo projeto foi financiado por doações e não houve cachê — apenas recebeu o suficiente para transporte e alimentação. Junto com seu grupo de trabalho, concluiu a imagem de Michael Jordan em apenas três dias.

Maya também liderou a organização de um evento com o intuito de arrecadar fundos para os habitantes do prédio.
Legado
— Algumas crianças me falam: ‘Maya, eu nem quero pisar nessa quadra, ela é tão bonita que parece um desrespeito’. E outros contam como jogar nesse piso traz bons sentimentos e aumenta a confiança. Eles se sentem como se fossem Michael Jordan ou Magic Johnson — celebra o artista responsável pelas imagens em grande escala.

No fim das contas, o que mais o toca são as reações espontâneas. Ele conta que não esperava por isso quando iniciou nessa estrada, mas que vê a aura dos jovens quando eles pisam na quadra. E isso o faz se sentir bem.
— Eles entram na quadra e sorriem, estão felizes. As pessoas se sentem orgulhosas de si mesmas. Elas vivem em ‘favelas’ e sentem que são ricas por terem uma quadra respeitável, pela pintura. Talvez esse seja o meu propósito.
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